Tirando a rivalidade no futebol, as relações entre Argentina e Brasil têm sido tranquilas. Perfila-se dentro dessa normalidade o apoio do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL-RJ), a seu colega e candidato à reeleição Mauricio Macri, derrotado nas eleições do último domingo por Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner. O que não está dentro da normalidade é o fato de Bolsonaro continuar afirmando que, diante da vitória de Fernández, fará retaliação econômica aos argentinos por terem escolhido um governo de esquerda. O próprio Macri já reconheceu a derrota e está tratando de organizar a passagem de governo de maneira civilizada e eficiente. Por que Bolsonaro continua no palanque da campanha presidencial argentina e sendo um risco para os negócios entre os dois países?
Há uma enorme fileira de explicações para a atitude do presidente brasileiro. Ouvi, li e vi a maioria e estou conversando sobre o assunto com os meus colegas repórteres, especialmente os mais jovens. Uma delas parece se encaixar melhor. A de que Bolsonaro está procurando o seu lugar ao sol entre os líderes políticos mundiais que adotaram o discurso da direita como salvação do planeta enquanto retratam a esquerda como o caos. Até agora, essa estratégia está conduzindo a passos largos o presidente do Brasil ao isolamento entre as lideranças mundiais. O isolamento não se dá pela defesa da direita. Mas por ele ter acrescentado a seu discurso a apologia a fatos que são uma ofensa ao mundo civilizado, entre elas o apoio às ditaduras militares que assolaram os países do Cone Sul nos anos 60, 70 e 80; aos torturadores de presos políticos; aos madeireiros clandestinos e garimpeiros que estão devastando a Floresta Amazônica, que ardeu em chamas nos últimos dois meses. Por conta desse episódio, Bolsonaro virou alvo de críticas ao redor do mundo. Respondeu-as sendo grosseiro com o presidente da França Emmanuel Macron e sua esposa Brigitte, com a ex-presidente do Chile e alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, e com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel.
No caso da Argentina, dei uma vasculhada no que os leitores dos sites e jornais disseram sobre as ameaças de retaliação econômica feitas por Bolsonaro. Para os argentinos, o presidente brasileiro “é pau mandado” do seu colega americano, Donald Trump. Publicamente, incluindo o presidente eleito Fernández, os castelhanos aderiram ao Movimento Lula Livre. Os programas populares nas emissoras de rádio e TV fazem piadas de todo tipo. Empresários, principalmente do Rio Grande do Sul, estão atuando como bombeiros para não perder dinheiro. Os argentinos são grandes importadores de produtos industrializados pelos gaúchos, como sapatos, móveis e máquinas agrícolas. As vendas somam milhões de dólares e geram centenas de empregos.
Aqui, quero chamar a atenção dos meus colegas para o seguinte. O receio que os empresários do Sul do Brasil, em especial os gaúchos, têm de perder negócios por causa das palavras do presidente da República já aconteceu com o agronegócio, incluindo as agroindústrias. Perguntei a grandes produtores de soja do Centro-Oeste e dirigentes de agroindústrias do Oeste de Santa Catarina o seguinte: “Vocês acreditaram que o discurso de Bolsonaro contra as esquerdas e a favor dos torturadores era apenas conversa de campanha?” A realidade mostra que não era conversa fiada.
É direito dos empresários apoiarem e financiarem, dentro da lei, a campanha de quem bem entenderem. É nosso dever como repórteres perguntar a eles se imaginaram que Bolsonaro exigiria um atestado ideológico dos compradores dos produtos brasileiros. Por conta da briga entre os Estados Unidos e a China, as exportações brasileiras, em especial de proteína animal e vegetal, vivem um bom momento. Mas o país tem um dos mais altos contingentes de desempregados da história, 13 milhões de cidadãos. A reforma trabalhista feita pelo presidente Michel Temer (MDB-SP), que prometia gerar milhares de empregos, não deu em nada. Bolsonaro apostou tudo na reforma da previdência, que foi aprovada e ainda é cedo para falar em resultados. O certo é o seguinte: o presidente da República está entrando no seu 11º mês de governo com a economia parada. E ainda se dando o luxo de dizer desaforos para os compradores estrangeiros dos produtos brasileiros. É fato que a situação se complica a cada dia, como diziam os antigos repórteres dos tempos das máquinas de escrever.