“Prendam os suspeitos de sempre.” Essa frase é dita por um policial francês após um atentado contra as tropas da Alemanha nazista no filme Casablanca, um clássico ambientado na cidade marroquina em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial. Lembro-me que quando trabalhei em redação de jornal (1979 a 2014) as fontes consultadas para as matérias eram sempre as mesmas. Às vezes, um foca (repórter novato) era escalado para fazer uma limpeza na agenda, que consistia em apagar os nomes dos mortos e substituir e atualizar os de ocupantes de cargos oficiais. A agenda facilitava a vida dos novos e dos velhos repórteres. Lembrando Casablanca: podemos substituir o “prendam os suspeitos de sempre” por “consultem as fontes de sempre”. Claro, os repórteres investigativos têm as suas fontes exclusivas. Mas elas não são compartilhadas na agenda do jornal. Por isso são exclusivas. É do jogo. Mas mesmo essas fontes exclusivas na sua maioria são as mesmas por muitos anos. Mesmo no atual momento, com toda a parafernália tecnológica à disposição do repórter, o procedimento de consultar as mesmas fontes continua tal qual como nos tempos que escrevíamos as matérias molhando a ponta de uma pena em um tinteiro. Não estou me revoltando contra o “consulte a mesma fonte”. Estou sugerindo que façamos uma reflexão sobre o assunto. Por que sugiro a reflexão?
Respondendo à pergunta. Até uma década atrás, a agenda das fontes das redações era feita pelos repórteres. Atualmente, existem empresas especializadas em “vender” fontes para serem consultadas pelos jornalistas. É do jogo. Mas é necessário ficarmos atentos para não escrevermos bobagens entrevistando essas fontes sugeridas por empresas especializadas. A maioria delas, principalmente no setor financeiro, são aventureiros em busca de notoriedade para vender o seu peixe. A velocidade como as coisas estão mudando ao redor do mundo exige de nós uma atualização quase que diária das fontes. Indo mais fundo na nossa conversa. Por ser um velho repórter estradeiro de 71 anos e 40 e tantos de profissão, boa parte deles em redação de jornal e envolvido com matérias polêmicas, lembro que o que está para vir no dia seguinte à eleição do presidente da República não é café pequeno. Serão dias de correria, o que significa pouco tempo para apurar as informações. O que é sempre um perigo para o repórter. O problema não é cometer um erro em uma matéria. Isso pode ser corrigido. Mas o de vender o peixe de um “chutador” travestido de especialista. Uma explicação para quem não é jornalista. Nas redações chamamos de “chutador” uma pessoa que conhece superficialmente um assunto e usa uma oportunidade para se promover.
É necessário que os repórteres se organizem e façam fontes confiáveis para poderem lidar com o que virá depois das eleições presidenciais. O atual presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que concorre à reeleição, tem demonstrado que irá “bagunçar o coreto” caso perca a disputa. O seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), não é homem de levar desaforo para casa. No meio deles, temos a Justiça Eleitoral, que é respeitada no mundo inteiro. A disputa será travada na divulgação das versões dos fatos pelos lados envolvidos na imprensa e nas redes sociais. Caberá a nós jornalistas dar a explicação correta do que acontece. Não será uma tarefa fácil. Por quê? O grupo político que apoia Bolsonaro tem generais e mais de 6 mil militares de várias patentes (ativa, reserva e reformados), parlamentares do Centrão, nazistas, terraplanistas e oportunistas de todos os calibres. Do lato do Partido dos Trabalhadores (PT) houve queda na ascensão de lideranças nos últimos anos. E as costuras feitas por Lula, como a aliança com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB), envolve novas nomes na chapa que disputa as eleições. Trabalhar em um ambiente como o que descrevi exige do repórter saber com quem está falando. Mais um problema. As melhores fontes geralmente só falam se a sua identidade for preservada. Isso é um problema para o jornal. E uma questão ética para o repórter, por ter um acordo com fonte. Entre as fontes, principalmente as nas organizações policiais, repórter que quebra o acordo e revela o nome de quem deu a informação fica conhecido como “traíra”, um peixe carnívoro de água doce. Levante a mão o repórter que não levou um bafo na nuca do editor para revelar a sua fonte na hora de fechar e entregar uma matéria polêmica.
Sabem? A história da agenda de fontes da redação se infiltra tão profundamente no cotidiano do repórter que levei uma cópia para casa em 2014, quando saí do jornal. Não perguntem o motivo porque não sei. Ao sugerir uma reflexão sobre a agenda das fontes estou convidando os meus colegas a olharem ao redor e notarem as mudanças brutais que aconteceram no exercício da nossa profissão. Não foi só a tecnologia que avançou. Os conteúdos também sofreram uma mudança brutal. A ficção misturou-se aos fatos e se tornou uma armadilha para o repórter. Uma notícia que há uma década levava uma hora para dar a volta ao mundo nos dias atuais leva segundos. Sempre tive como norma fazer uma última verificação nas informações no texto antes de publicar. Mas sempre escapa um erro de digitação ou alguma coisa menor. É do jogo. Na época do jornal papel não tinha como corrigir o erro. Hoje é só acessar a matéria no site e fazer a correção. Como se diz entre nós jornalistas na mesa do boteco. Ninguém tem bola de cristal para saber o que vai acontecer no dia seguinte à eleição do presidente da República. Mas seja o que vier por aí, nós seremos relevantes para o nosso leitor se estivermos na agenda os celulares das fontes para serem consultadas na hora do rolo.