Não estou dando uma opinião. Estou relatando o que temos publicado nas nossas matérias e o que os relatórios e pareceres de especialistas vêm alertando a investidores do mercado financeiro, pesquisadores do comportamento humano e interessados de um modo geral no assunto: os brasileiros estão com os nervos à flor da pele. Por conta de uma situação inédita que estão vivendo com a pandemia causada pela Covid-19, que já matou mais de 170 mil pessoas no país. Agravaram-se os problemas da economia, resultando em mais de 20 milhões de desempregados. E mudou radicalmente o modo de vida das pessoas, que precisaram se isolar para sobreviver a um vírus contra o qual até dias atrás não havia remédio nem vacina. Justamente na hora que as vacinas surgem para solucionar o problema, o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não consegue apresentar um plano consolidado de como a população será vacinada. E está atolado em uma disputa política envolvendo a vacina com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP). Enquanto isso, os britânicos começam a ser vacinados hoje (08/12) e logo outros países, incluindo vizinhos da América do Sul, terão a vacina. Frente a esse quadro, o que o brasileiro com os nervos à flor da pele vai fazer? Esse é o assunto que quero conversar com os meus colegas, principalmente os jovens repórteres que estão na cobertura do noticiário do dia a dia.
O noticiário diário dos jornais (papel e site), rádios, TVs e outras plataformas de comunicação estão focados em dois assuntos: a segunda onda de ataque da Covid-19, que lota Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) e leitos hospitalares pelo país. E a disputa entre Bolsonaro e Doria pelo título de “pai da vacina” – há enormidade de matérias disponíveis na internet. O que está faltando na cobertura? O trabalho do repórter batendo de porta em porta para conversar com as pessoas. Por quê? Caso a embromação da vacinação da população se prolongue, o que vai acontecer nesse país não nascerá entre os dirigentes de partidos políticos, cientistas ou pensadores. Mas será lá no meio do povo, em algum canto chique ou favela de uma cidade, em alguma comunidade perdida pelos sertões, e também pode ser em um bate-papo nas redes sociais. Foi assim que nasceram os protestos de 2013, que entraram para a história como Manifestações dos 20 Centavos. Eu trabalhei na cobertura dos protestos em Porto Alegre. Durante uma semana, manifestantes e brigadianos se enfrentaram pelas ruas e avenidas da cidade. Uma explicação para quem não vive no Rio Grande do Sul. Os gaúchos chamam de brigadianos os policiais militares.
Até hoje não se sabe com exatidão como começaram as manifestações de 2013, muito embora existam pesquisas a respeito do assunto. O que se sabe é que os manifestantes não tinham uma pauta e muito menos liderança. Era uma confusão, e a cobertura jornalística se limitou a descrever os confrontos. A conjuntura política, econômica e social do Brasil hoje é centenas de vezes mais explosiva do que era em 2013. Não é só porque o brasileiro convive com o perigo real de se complicar caso seja infectado pela Covid. Mas muito pela maneira de administrar o país do presidente Bolsonaro. Ele é negacionista em relação ao vírus. Até agora tem feito de tudo para boicotar o trabalho dos prefeitos, governadores e seus próprios ministros em relação às estratégias para lidar com a doença. A tal ponto que o Ministério da Saúde é comandado pelo general da ativa do Exército Eduardo Pazuello. Ele foi colocado no cargo para seguir as ordens do presidente. A pergunta. Como um ministro que obedece a um presidente negacionista vai organizar um plano decente de vacinar a população? Dentro desse quadro nós repórteres precisamos saber o que está acontecendo entre o povo. A pergunta é: o que eles estão pensando em fazer para saírem vivos dessa situação? Esse conhecimento não é detectado por pesquisas. Ele surge na hora que o repórter senta com a pessoa e conversa.
Trabalhei em redação de jornal de 1979 a 2014, tempos de abundância de pessoal e recursos para se fazer reportagens. Hoje a história é outra. Os quadros de jornalistas nas redações foram reduzidos drasticamente. Em consequência, o repórter tem um menor salário e mais trabalho, porque faz diversas pautas por dia e produz texto, áudio e imagem. O dinheiro para investir em reportagens se reduziu enormemente. Os motivos que produziram essa situação nas redações são conhecidos – há matérias na internet. Claro, o repórter tem a seu dispor um aparato tecnológico que facilita o contato com pessoas em todos os cantos do mundo. Mas nada substitui a entrevista cara a cara, olho no olho. É ali, nos detalhes, que se descobre as coisas. Não sei como será viabilizado. Mas se as empresas de comunicação não se derem por conta de que precisam mandar os seus repórteres gastarem sola de sapato em busca de conhecimento sobre o que as pessoas estão pensando e fazendo para sobreviver a essa situação, elas vão se complicar e muitas simplesmente vão desaparecer. O que está acontecendo hoje é que o noticiário está repetitivo e pouco acrescenta ao que todo mundo já sabe. O fato é que o brasileiro não vai esperar de braços cruzados pela vacina. Podem apostar.