A cobertura das eleições de 2022, sobretudo a corrida para presidente da República, está dando um show na interpretação dos números das pesquisas e no uso de gráficos que facilitam o entendimento do leitor. Mas está deixando a desejar no acompanhamento dos bastidores das campanhas, em especial dos pensadores das estratégias dos candidatos. Esse tipo de matéria é muito difícil de fazer porque exige tempo para investigar. E tempo é tudo que não se tem em coberturas eleitorais devido ao “bafo na nuca” da concorrência. Em consequência disso, a cobertura fica cheia de histórias mal explicadas, ou “buracos negros”, como se dizia nos tempos das máquinas de escrever nas redações. É sobre isso que vamos falar.
Vamos começar pela campanha à reeleição do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Pelo que temos divulgado, os três pilares dos estrategistas do presidente são: os evangélicos, a presença do candidato nas solenidades das Forças Armadas e academias de polícia e as motociatas. Vamos pegar o caso dos evangélicos. A última pesquisa do Datafolha (quinta-feira, 18/08) mostra que entre os evangélicos Bolsonaro tem 39% das intenções de votos contra 32% do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Publicamos várias matérias sobre as estratégias dos dois candidatos em busca desse voto. A maneira como o assunto vem sendo publicado trata os evangélicos como se fossem todos iguais. Não são, eles se dividem em dezenas de ramos da fé. Falta uma matéria dando um perfil de quem é o evangélico que vota em Bolsonaro e aquele que optou por Lula. Outro assunto que precisa ser melhor explicado para o leitor: a história dos esforços dos estrategistas da campanha de Lula para ganhar apoio no agronegócio. Olha, o agronegócio não tem um comando central, como parece sugerir as matérias que temos publicado. Mais ainda: uma parte importante do agronegócio inclui os criadores de frangos e suínos, que são geralmente pequenos produtores que abastecem as agroindústrias das cidades do interior do Brasil. Mesmo entre os produtores de grãos (soja, milho e trigo), a maioria é formada por médios proprietários.
Não estou dizendo que a cada matéria devemos anexar uma tese de doutorado explicando para o leitor as particularidades da notícia. O que estou sugerindo é que temos que começar a falar com mais clareza sobre o que estamos tratando para evitar a generalização. E com isso dificultamos a vida dos fabricantes de fakenews. A propósito desse meu comentário sobre generalização, nos primeiros dias de agosto recebi uma ligação de um economista, um velho amigo, que conheço desde os anos 80, que me contou que “chega dar uma ansiedade” quando ele lê uma notícia que não explica ou, pelo menos, dá uma pista da particularidade do assunto. Eu entendo a sua ansiedade porque sempre que estou escrevendo um livro e pesquiso nas publicações sobre o assunto sinto carência de informações mais precisas. É consenso geral que essa eleição é muito especial porque o Brasil nunca viveu uma situação como a de hoje, resultante da pandemia de Covid-19, que matou 670 mil brasileiros, e da guerra entre Ucrânia e Rússia, dois grandes produtores de matérias-primas e grãos. E com o presidente da República fazendo pregações absurdas contra a Justiça Eleitoral e as urnas eletrônicas. Essa história está sendo escrita pelas matérias que publicamos diariamente nos noticiários e que fornecerão uma grande parte das informações sobre o que aconteceu para os pesquisadores.
Lembro que temos publicado números, fotos e gráficos a respeito do mais devastador desmatamento que a Floresta Amazônica tem sofrido. E também a invasão de centenas de garimpeiros nas reservas indígenas. Conheço bem o problema. Já fiz muitas matérias sobre o assunto. Os madeireiros e garimpeiros nunca ganharam tanto dinheiro como nos últimos dois anos. Onde foram parar esses recursos? Temos noticiado que 20 garimpeiros espalhados por seis estados se candidataram a deputado federal. Um deles é Rodrigo Martins de Mello, de Roraima, também conhecido como Rodrigo Cataratas. Sobre ele há uma interessante matéria do repórter João Gabriel, publicada na Folha (19/08), com o título Garimpeiro candidato a deputado declarou R$ 4,5 mi em dinheiro vivo. A ideia do grupo é formar na Câmara dos Deputados a Bancada do Garimpo, com foco na legalização da atividade garimpeira nas terras indígenas. A comunidade internacional está de olho na participação nas eleições brasileiras do dinheiro ilegal que foi ganho às custas da devastação da Amazônia e das vidas indígenas pelos garimpos. Principalmente depois do brutal assassinato, no Vale do Javari, do jornalista britânico Dom Phillips, 57 anos, e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, 41. As mortes aconteceram em junho e continuam sendo notícia de destaque na imprensa internacional. Sobre as sacanagens na Amazônia há uma fartura de dados no inquérito feito pelo delegado federal Alexandre Saraiva sobre o envolvimento do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles com contrabando de madeira.
Podem anotar, colegas repórteres. A entrada nas eleições de candidatos que ganharam fortunas com a devastação das Floresta Amazônica vai virar assunto internacional. Arrematando a nossa conversa. Pelos números das pesquisas atuais (21/08), as chances de Lula ganhar as eleições no primeiro turno são reais. Mas quem quer que seja eleito, incluindo Bolsonaro, que é segundo nas pesquisas, o certo é que o próximo presidente vai herdar um grande rolo para resolver, especialmente na área de preservação ambiental, porque os órgãos do setor, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), foram detonados para favorecer os ilegais, como mostra o inquérito do delegado federal Saraiva. Por que o próximo presidente vai ter que resolver esse rolo? Simples. A comunidade internacional, principalmente o governo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (Democratas), já avisou que o país poderá sofrer sanções econômicas. O que seria uma tragédia para o agronegócio, um dos pilares da economia nacional.