O conteúdo das sete páginas de uma carta enviada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para seu colega americano Joe Biden (democrata) parece um texto sobre o Brasil extraído da internet pelo método copia e cola, também conhecido como “Ctrl+C, Ctrl+V”. O que interessa na carta para o governo dos Estados Unidos é um parágrafo de três linhas com o compromisso do governo brasileiro de zerar o desmatamento ilegal até 2030. A carta foi enviada a Biden porque nos próximos dias 22 e 23 Bolsonaro será um dos 39 chefes de governo que participarão, de maneira virtual, da Cúpula de Líderes Sobre o Clima, que este ano está sendo promovida pelos Estados Unidos. O clima é uma das principais bandeiras políticas do governo Biden. E a devastação da Floresta Amazônica é uma das marcas registradas do governo Bolsonaro. Não é por outro motivo que Biden já ameaçou o Brasil com sanções econômicas caso não reveja a sua política ambiental. Pelo mesmo motivo, líderes europeus têm ameaçado boicotar a compra de produtos do agronegócio brasileiro. A Cúpula de Líderes Sobre o Clima é uma oportunidade de Bolsonaro explicar aos americanos e europeus os seus compromissos com o meio ambiente.
Por que digo que a carta de Bolsonaro é uma ofensa à inteligência de Biden? No minuto seguinte ao que tomou posse, o presidente começou uma operação sistemática de desmonte do aparato de fiscalização dos órgãos ambientais. Um a um foram boicotados pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, homem que se tornou o símbolo da devastação da Floresta Amazônica. O então superintendente da Polícia Federal do Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, fez uma queixa-crime contra Salles no Supremo Tribunal Federal (STF) denunciando o envolvimento do ministro com quadrilhas de madeireiros clandestinos. Saraiva, um policial linha dura e altamente especializado em questões ambientais, perdeu o cargo por conta da denúncia. Além de tudo isso, Salles, a mando do presidente da República, perseguiu e expulsou do território nacional organizações não governamentais que havia muitas décadas estavam instaladas na Floresta Amazônica lutando pelos direitos dos índios e na preservação do meio ambiente. Em dois anos de governo Bolsonaro, o Brasil migrou de uma posição de respeito no mundo em assuntos ambientais para a de devastador. Bolsonaro quer que os Estados Unidos ajudem com dinheiro o seu governo a desmontar a máquina de devastar a floresta que está funcionando a todo vapor.
Biden sabe quem é Bolsonaro. Achar que ele vai levar a sério o conteúdo da carta é ofender a inteligência do presidente dos Estados Unidos. Inclusive, 15 senadores democratas exigiram que Biden coloque as cartas na mesa e exija um maior compromisso do governo brasileiro com a preservação ambiental. Por que os senadores estão fazendo essa exigência? Bolsonaro se comprometeu a acabar com o desmatamento ilegal até 2030. OK? Qualquer pessoa medianamente informada sobre as questões ambientais brasileiras sabe que as leis, portarias e medidas legais que regulamentam o setor estão sendo derrubadas uma a uma pelo ministro Salles. O que é ilegal hoje pode ser legal na próxima semana. Mais ainda: caso o presidente brasileiro seja reeleito em 2022, ele governará até 2026. Por que se comprometeu a resolver o problema até 2030? Acredita que elegerá o seu sucessor? O que vou dizer não é opinião. Vou lembrar fatos que já publicamos. A base eleitoral do presidente nos estados do Pará, Rondônia, Roraima, Amazonas, Acre e Amapá são os madeireiros clandestinos, os grileiros de terras públicas e os garimpeiros. Nos outros estados da região, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Goiás, são os plantadores de soja e os criadores de gado, o coração do agronegócio do Brasil. O problema do presidente é o seguinte. Se pegar pesado com os devastadores, principalmente os garimpeiros e madeireiros, perde apoio político e centenas de votos. Se não pegar, americanos e europeus vão prejudicar o agronegócio. Lembro que o governo do Mato Grosso está com uma publicidade nos meios de comunicação dizendo que produz sem prejudicar a natureza. Se o presidente continuar fazendo vistas grossas para as reclamações do agronegócio perderá apoio político e, com isso, alguns milhares de votos. Como o governo está solucionando o problema? Perante Biden e os líderes europeus, como Emmanuel Macron, presidente da França, e Angela Merkel, chancelar da Alemanha, se diz comprometido com o meio ambiente. Enquanto isso, o seu ministro do Meio Ambiente faz o serviço sujo, defendendo os interesses dos devastadores da Floresta Amazônica, como denunciou o delegado federal Saraiva.
A situação de Bolsonaro no cenário internacional é complicada. Vejamos. Hoje, graças ao negacionismo do presidente da República em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid-19, estão morrendo mais de 3 mil brasileiros por dia, num total que já soma mais de 340 mil. A política do governo em relação à pandemia é genocida. Vem aí a CPI da Covid-19 no Senado. À questão sanitária soma-se a política de devastação da Floresta Amazônica praticada pelo governo federal. Além da derrubada da floresta, tribos inteiras de índios estão sendo dizimadas pelos garimpeiros. Madeiras nobres, ouro, diamantes e outros metais preciosos são extraídos ilegalmente do território brasileiro e inundam os mercados ilegais ao redor do mundo. Quem vai acreditar de uma hora para a outra que o presidente do Brasil virou defensor do meio ambiente? Biden? Duvido.