Não é de hoje. Os direitos humanos e da cidadania no Brasil têm sido os alvos prediletos de ataques da extrema direita desde os tempos da redemocratização do país, em 1985, quando a ditadura militar que tomou o poder no golpe de estado em 1964 foi substituída pelos civis. Houve eleições diretas em todos os níveis e a publicação da nova Constituição, em 1988, que assegurou direitos fundamentais como a liberdade de imprensa. Daí a importância da imprensa deixar bem claro que a demissão, na sexta-feira (6/09), por assédio sexual, do então titular do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, 48 anos, não tem nada a ver com a continuidade ou não dos compromissos políticos assumidos com a área, durante a campanha de 2022, pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 78 anos. Outro ministro já foi indicado e segue o baile. De maneira resumida, os compromissos assumidos por Lula estão garantidos na Constituição e a missão do ministério é facilitar para que sejam cumpridos. Não é uma missão fácil. Em outros tempos, nós jornalistas não precisávamos nos preocupar em dar tudo “mastigado” para o leitor porque não existiam as redes sociais por onde circulam toneladas de notícias distorcidas pelas fábricas de fake news, que têm como objetivo divulgar uma versão dos fatos diferente da realidade.
Vamos contextualizar a história. Na tarde de quinta-feira (5/9), o portal de notícias Metrópoles tornou pública a denúncia da prática de assédio sexual pelo então ministro Almeida. A notícia foi confirmada pela organização Me Too Brasil, sem, no entanto, mencionar nomes. A entidade explicou que atendeu mulheres que afirmaram terem sido assediadas sexualmente pelo ex-ministro. O portal mencionou que entre as assediadas estaria a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, 40 anos, irmã da ex-vereadora do PSOL do Rio de Janeiro Marielle Franco, assassinada em 2018 com o seu motorista Anderson Gomes. No dia seguinte, a professora Isabel Rodrigues, coordenadora pedagógica de escola pública em Santo André (SP), veio a público denunciar que, em 2019, foi vítima de assédio sexual por parte do ex-ministro durante um almoço. O caso, que já ocupava as manchetes principais dos noticiários, com a informação da ministra ser uma das vítimas subiu um andar acima e virou assunto em noticiários internacionais. O ex-ministro se pronunciou alegando inocência. Informações que circulam pelos cantos escuros desse episódio. Ao contrário dos outros ministros que foram indicados ao presidente eleito por seus partidos ou entidades que representam, Almeida conseguiu o cargo porque Lula gostou do seu trabalho acadêmico sobre questões envolvendo o preconceito estrutural – matérias na internet. Conversas sobre o comportamento estranho de Almeida em relação às mulheres já circulavam há muito tempo pelos corredores de Brasília. Tudo que exista de verdade e mentira sobre o caso será esclarecido pela Polícia Federal (PF). Enquanto isto não acontece, no Congresso vários parlamentares de oposição colocaram a boca no trombone contra Lula. Faz parte do jogo político.
O que não faz parte do jogo político são os militantes da extrema direita aproveitarem a situação e ressuscitarem o jargão de que “defensor dos direitos humanos é defensor de bandido”. Pensei que essa história nem existia mais. Estava enganado. Ela apenas aguardava a vez de ser ressuscitada em uma ocasião apropriada. A ocasião surgiu com o caso do ex-ministro. E foi ressuscitada em um momento da história do Brasil muito especial e complicado. Hoje, várias entidades e institutos de pesquisa apontam a real possibilidade da “mexicanização” da política brasileira. No México, os cartéis de varejo de drogas que abastecem os mercados consumidores milionários dos Estados Unidos e da Europa assumiram tal importância econômica e tamanho poder de fogo que se infiltraram profundamente no dia a dia dos mexicanos. Para evitar que coisa semelhante aconteça no Brasil, há algumas décadas defensores dos direitos humanos pedem a implementação de uma política carcerária séria, justa e eficiente. Aconteceu exatamente ao contrário. A maioria dos 850 mil prisioneiros, o terceiro efetivo do mundo, vive em condições insalubres. Sei disso porque conheço a maioria dos presídios. Foi graças ao caos nas penitenciárias que nasceram as duas maiores organizações criminosas do país: o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo. Elas têm ligações diretas com os cartéis produtores de cocaína da Colômbia, da Bolívia e do Peru. Estabeleceram-se na fronteira do Paraguai com o Brasil e transformaram a região em uma espécie de entreposto da droga, de onde abastecem as cidades brasileiras, parte do mercado dos Estados Unidos e vários países europeus. Enquanto isso, o sistema carcerário continua sendo o grande fornecedor de mão de obra para o PCC, o CV e outras inúmeras organizações criminosas regionais que brotam em todos os cantos do país. Como essa história vai acabar? O que se sabe de concreto é que a mexicanização do Brasil está acontecendo a galope. Alguém tem dúvida?
Citei o caso da massa carcerária por ser o pivô de uma mudança no crime no país. Mas existem muitos outros setores do dia a dia dos brasileiros em que os defensores dos direitos humanos trabalham pelo bem-estar da sociedade. Por conta de ter me especializado em conflitos agrários, povoamento de fronteiras agrícolas e crime organizado nas fronteiras, conheço muita gente que trabalha com direitos humanos. São, na maioria, velhos. Como eu, aliás, um velho repórter estradeiro, 73 anos de idade. Defender os direitos humanos no Brasil nunca foi uma tarefa fácil. Lembro que em 2018 foi eleito presidente da República Jair Bolsonaro, 69 anos (PL), um homem que se orgulha de ser defensor do coronel Carlos Alberto Ustra, morto em 2015, ex-chefe dos centros de torturas dos militares que deram o golpe em 1964. Já ajudamos se não colocarmos, nas nossas matérias, no mesmo balaio o ex-ministro e os lutadores pelos direitos humanos. Entre os orçamentos dos ministérios, o do Direitos Humanos e Cidadania é o menor. Lula escolheu como novo titular da pasta a deputada estadual de Minas Gerais Macaé Evaristo (PT), 59 anos. Ela aceitou e a posse deve acontecer na próxima semana. O presidente da República poderia começar essa nova fase reforçando o caixa do ministério.