Tratando-se de defender os seus interesses, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB – RJ) não é homem de jogar conversa fora. A sua carreira política e a criminal estão aí para provar a sua astúcia nos negócios – há um vasto material disponível na internet. Dentro desse contexto é de perguntar-se: qual era a jogada que tinha dentro da cabeça do Cabral ao desafiar o juiz federal, Marcelo Bretas, 47 anos, da 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, durante uma audiência, trazendo para a conversa os negócios da família do magistrado?
É do conhecimento público que a família do juiz tem negócios com bijuterias. E a conversa de Cabral foi interpretada pelo Ministério Público Federal (MPF) como uma tentativa de intimidar o juiz. Em consequência, o ex-governador vai ser transferido para um presídio de segurança máxima federal – um lugar isolado. Antes de seguir conversando, eu quero chamar a atenção dos meus colegas repórteres, principalmente dos novatos, para alguns fatos que ficaram ausentes dos noticiários, das conversas nas redes sociais e dos conteúdos dos comentaristas políticos. Cabral, 54 anos, é um representante da geração de políticos gerados pela Nova República, que substituiu os militares que participaram do golpe de Estado em 1964 e ficaram no poder até 1985. A Nova República implantou a democracia e o modo de vida que temos hoje com a Constituição de 1988.
O saneamento que a Nova República fez na economia, com o Plano Real possibilitou que o serviço público se qualificasse, atraindo profissionais de alto padrão técnico, tipo o juiz Bretas, 44 anos, um homem dedicado ao aperfeiçoamento técnico da sua função, com cursos nos Estados Unidos. Hoje, o juiz faz parte da Operação Lava Jato e. por ter nascido e se criado na Baixada Fluminense, uma das regiões mais complicadas do estado do Rio de Janeiro, o juiz conhece, em detalhes, o modo operacional de pessoas como o ex-governador. Aqui, uma observação interessante. Uma das marcas dos juízes federais que ingressaram na carreira na Nova República, tipo Bretas e Sérgio Moro (da Lava Jato, de Curitiba PR), é a mão pesada nas condenações. Já uma de vários políticos da geração da Nova República é a arrogância de achar que estão acima da lei.
É tendo como pano de fundo essa diferença entre os juízes e os políticos da Nova República que vamos explicar aos nossos leitores a real intenção do ex-governador ao tentar constranger a família de Bretas. Vejamos. Não é a primeira vez em que Cabral faz esse tipo de tentativa. Em outra audiência, lembrou ao juiz que ele já tinha sido o líder político máximo do Rio de Janeiro, e todos os empresários corriam atrás dele para contribuir com as campanhas políticas. As provas na Lava Jato apontam em sentido contrário. O empresário que não pagasse propina estava fora do jogo. E foi com esse tipo de pessoa, flexível às pressões, que Cabral conseguiu construir a sua fortuna de dinheiro desviado das obras públicas – essa realidade pode ser esmiuçada nas investigações da Lava Jato, disponíveis na internet. O que significa isso? Nos últimos tempos, Cabral tem aproveitado as audiências com Bretas para descobrir se o juiz tem um preço. Cabral viveu tanto tempo cercado de bandidos travestidos de empresários, parlamentares e funcionários públicos, que achou que tudo fosse a mesma coisa. Não é. Aliás, nunca foi. A Operação Lava Jato e tantas outras estão aí para provar isso.
Cabral pertence a um enorme contingente de políticos da Nova República que acreditou que o voto que os levou ao poder autorizava a encher os bolsos de dinheiro sujo. Nunca foi isso. O equívoco está condenando a geração de políticos do ex-governador à extinção. O que vem para substituí-los, ninguém sabe ao certo. O que existe de certo é que usar o cargo público para encher os bolsos dá cadeia. Os juízes Bretas e Moro não são os únicos com mãos pesadas nas sentenças. Há muitos outros, em todas as instâncias do poder Judiciário. Na história do Brasil, a Nova República ficou conhecida como o berçário de um grande contingente de bandidos travestidos de políticos e também como a geradora de significativo número de juízes, promotores, policiais e outros funcionários públicos comprometidos na defesa das boas práticas políticas. Um período interessante da história do país que merece ser esmiuçado pelas novas gerações de repórteres.
Caro,não há dúvidas de que figuras como o Cabral merecem cadeia longa, devem ser obrigadas a devolver o que roubaram e ainda penalizadas com pesadas multas. A Nova República trouxe, sim, uma geração de políticos corruptos e descomprometidos com a questão pública. Mas trouxe também instituições de controle precárias e despreparadas para enfrentar essa demanda histórica reprimida, que é a corrupção. Juízes como Moro e Bretas cumprem um papel interessante nesse jogo, mas erram feio quando “pesam a mão” de forma exagerada, se comportam com parcialidade e movidos por ideologia. ou como justiceiros e ativistas. Quando acertam, estão cumprindo a obrigação e justificando os salários (que não são baixos) que recebem. Bretas deveria, sim, ter chamado a atenção de Cabral quando este disse o que disse, mas qualquer leigo percebe que não havia uma ameaça ao juiz ou à família dele e nem que ele tivesse informação privilegiada. O que ele falou havia sido escrito por jornalistas que dele fizeram perfis. Entendi como um desabafo de quem não aguenta a tranca. O juiz deveria ter deixado de lado o espetáculo e, discretamente, ter mandado investigar o que Cabral quis dizer. Mandá-lo para uma penitenciária federal, é uma medida tão desnecessária quanto ineficaz. Aliás, só gera despesas. O cara já está preso. Mantenha ele sob controle e determine que MPF e PF produzam provas prestáveis, capazes de mantê-lo fechado por muito tempo. Tenho sérias dúvidas se um tribunal superior manterá o que ele decidiu. E mais: é bem provável que o tiro saia pela culatra e logo, logo, a gente tenha de ver o Cabral livre e solto, como aconteceu com Garotinho. Esses juízes precisam aprender a operar num ambiente democrático, deixar as vaidades de lado e a aplicar a lei de forma firme, mas individualizada e de acordo com o crime que o sujeito praticou. O país precisa mais instituições fortes e menos “salvadores da pátria”.
Concordo com o teu comentário. E acrescento o seguinte: é fundamental que se tenha debates qualificados para se entender a situação. O teu comentário é bem estruturado e com um conteúdo muito interessante. Obrigado pela leitura.