A opinião pública acompanha o desenrolar da Operação Lava Jato como se estivesse vendo uma minissérie policial. E um dos seus mocinhos se transformou em bandido. Como isso foi acontecer? É uma história que desafia os repórteres a descobrir o encadeamento de fatos que levaram à transformação do personagem. Estamos falando de Marcelo Miller, que abandonou a carreira de procurador da República e foi trabalhar no escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, que representa os interesses da JBS, um grupo de empresas investigadas da Operação Lava Jato. Antes, ele era o homem de confiança do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot na Lava Jato. Hoje ele é acusado em um processo de ter passado informações privilegiadas ao grupo empresarial, enquanto era procurador da República.
A vida de Miller está sendo investigada pela Polícia Federal (PF), e as informações apuradas estão sendo anexadas a um vasto e complexo processo que tramita na Justiça Federal. Esses são os fatos conhecidos do episódio – que podem ser encontrados em dezenas de reportagens publicadas e disponíveis na internet. Vamos ao que não foi publicado. Miller é uma pessoa altamente qualificada – fala seis idiomas e tem cursos de especialização em várias áreas do direito – que ocupava um cargo ambicionado no Brasil, que é o de procurador da República, que tem um salário mensal de R$ 30 mil, mais benefícios, uma excelente renumeração em qualquer parte do mundo. Aqui entra um fator novo. A Operação Lava Jato trouxe para procuradores, juízes federais, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), delegados da PF e advogados dos acusados uma exposição na mídia – noticiários e redes sociais – de uma intensidade jamais vista na história do Brasil. Isso significa uma competição entre eles por um lugar nesse palco. E também o surgimento de oportunidades profissionais jamais sonhadas antes.
Há outros dois personagens nesse cenário. Os corruptores, que são empresários calejados na arte de sobreviver e ganhar dinheiro em ambientes hostis. E os corruptos, políticos que aprenderam a se organizar para usar o poder em seu favor. É dentro desse cenário que iremos encontrar as respostas para entender como foi que Miller passou de mocinho para bandido. Esse é o mundo de Miller. Na Operação Lava Jato, ele estava em um lugar estratégico, ao lado de Janot, que era quem cuidava da parte mais sensível da operação, o pessoal do foro privilegiado – parlamentares (incluindo o presidente da República) e ministros. Joesley Batista, um dos donos da JBS e delator na Lava Jato, não tem qualificação técnica. Mas é um astuto homem de negócios. E, no processo de montagem da estratégia que levaria à negociação de benefícios em troca da delação premiada com Janot, o empresário viu em Miller uma oportunidade de ter uma boa conversa – o que foi tratado está sendo investigado pela PF. O fato é que os benefícios obtidos pela JBS foram o sonho de qualquer bandido. Por exemplo: ganharam o perdão por todos os crimes praticados.
Aqui é o seguinte. Se cruzarmos as informações contidas nas delações premiadas da Lava Jato com o cotidiano de corruptores do calibre de Joesley Batista ou Marcelo Odebrecht, fica límpido aos olhos do repórter que, na rapidez de raciocínio, juízes federais, ministros do STF e procuradores da República, homens de grande saber jurídico, não são páreo para competir com os dois empresários. Miller achou que estava no domínio da situação. Mas não estava. Era mais uma peça usada no tabuleiro do jogo entre Joesley Batista e os operadores da Lava Jato. O presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP), que foi denunciado por Janot com base nas delações da JBS, defendeu-se atacando Miler. Veja bem. O grupo politico de Temer é um dos mais eficientes da recente história do Brasil. Tem no currículo do grupo a bem sucedida conspiração que resultou no impeachment da presidente da República Dilma Rousseff (PT – RS),que foi substituída pelo seu vice, Temer. Hoje Joesley Batista e Marcelo Odebrecht estão presos. E os benefícios conseguidos na delação pela JBS estão sendo revistos.
No caso do Miller, ele nunca esteve no controle da situação. Muito embora tenha pensado isso, como mostraram depoimentos de delatores da Lava Jato. Ele foi uma peça no tabuleiro de xadrez no jogo entre Joesley Batista, Janot e Temer. Um fato importante: não foi Janot, Joesley Batista ou Temer que colocaram Miller no tabuleiro. Foi ele quem entrou no jogo por sua conta e seu risco. Não soube jogar e se ferrou. Perdeu por ser inexperiente. Nesse jogo, a inexperiência não é crime. Mas é fatal.