As entrevistas que os candidatos à presidência de República têm dado para grandes jornais, redes de televisão e rádios têm tido como marca o confronto direto entre entrevistador e entrevistado. Na maioria dos casos, os entrevistados estão levando a melhor. E, além de não dar as explicações que são exigidas, eles ainda constrangem os entrevistadores. O resultado desse embate é uma informação de baixíssima qualidade para o leitor, o ouvinte e o telespectador. Por que isso acontece? Porque foi cometido um erro na nossa formação de jornalistas que vem se repetindo geração após geração. E, finalmente, os marqueteiros dos candidatos descobriram o nosso calcanhar de Aquiles e estão deitando e rolando. E que erro é esse?
A resposta é simples e constrangedora. Entrevista jornalística não é interrogatório policial. Há uma enorme diferença entre esses dois tipos de conversa. Vamos começar a explicação pela parte comum da entrevista jornalística e do interrogatório policial. Nos dois casos, o primeiro passo é investigar quem será ouvido. No caso da polícia, provas que derrubem o álibi do suspeito e o coloquem na cena do crime: em escutas telefônicas, informações bancárias, relatórios feitos por agentes em campo e depoimentos de delatores. Já o jornalista procura provas que questionem a história que o entrevistado vai contar. Ele busca essas informações em matérias publicadas pela mídia, em relatórios de investigação policial, no perfil dos aliados políticos e comerciais e em processos em tramitação na Justiça. Agora vem a diferença entre a entrevista jornalística e o interrogatório policial. No caso policial, a Constituição assegura ao suspeito o direito de ter um advogado na hora do interrogatório e o de se negar a falar na polícia e na Justiça. O primeiro trabalho do policial é convencer o suspeito e o seu advogado que é melhor para ele falar no inquérito. Se ele falar, o agente vai tentar desmontar o álibi com as informações coletadas durante a investigação.
No caso das entrevistas jornalísticas, há dois grandes grupos de entrevistados: os que querem contar a sua história e aqueles que não querem falar por estarem envolvidos em acontecimentos sombrios. Os candidatos se enquadram no primeiro caso, eles querem contar a sua história. Mas a sua versão dos fatos. É aqui o xis da questão. O jornalista vai usar todas as informações que coletou para comprometer a versão da história que o candidato está contando. E forçá-lo a reconhecer que está faltando com a verdade. Dificilmente isso acontece, porque os candidatos são treinados por pessoas especializadas, inclusive jornalistas, a montarem uma história e serem fiéis a ela. Conversei longamente com uma equipe de profissionais que treinam empresários, políticos e outros profissionais a conversarem com repórteres. Não são só os colarinhos brancos que são treinados para conversar com os repórteres. Os líderes dos movimentos populares também recebem essa espécie de treinamento. Mais ainda: há uma técnica que é ensinada para os candidatos se livrarem de perguntas incômodas que consiste em trocar de lado com o jornalista. Ela passa a questionar as ligações políticas, econômicas e até pessoais do entrevistado. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem usado essa técnica constantemente. E aqui ela vem sendo usada nas entrevistas ao vivo.
Tenho 68 anos e 40 de profissão de repórter. E o atual grau de treinamento dos candidatos para conversar com os jornalistas é inédito na história das disputas eleitorais brasileiras. Uma das explicações é que, em decorrência da Operação Lava Jato – que inundou os noticiários com vídeos, áudios e documentos, mostrando políticos recebendo propinas – foi criada uma oportunidade para o aperfeiçoamento das equipes que atuam treinando candidatos a contarem a sua versão da história. A insistência dos jornalistas em tentar desmontar a versão da história contada pelos candidatos faz parecer que o entrevistador é um policial das antigas que está tentando enfiar garganta abaixo do entrevistado as respostas que quer ouvir. Como podemos resolver isso? Há um velho dito popular nos sertões do Brasil: peixe morre pela boca. Temos que fugir do óbvio, tipo ser contra ou favor da Lava Jato. Podemos começar a perguntar coisas que não estão no script deles, tipo: como resolver o problema da massa carcerária brasileira – os presídios são formadores de novos bandidos. É por aí a saída.