No tempo das barulhentas máquinas de escrever nas redações dos jornais impressos em enormes rotativas que faziam o prédio tremer quando rodavam havia um dito popular que era muito repetido pelos repórteres quando rodavam pelos rincões do Brasil em busca de histórias para escrever: “As estradas do município são a cara do prefeito”. Com alguns ajustes, esse dito está sendo usado para ilustrar a imagem do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), um governo em que nada funciona e ninguém parece saber o que está fazendo. Tome-se como exemplo o calvário a que é submetido o segurado que precisa fazer uma perícia médica ou encaminhar a aposentadoria no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia ligada ao Ministério da Economia. A fila de pessoas à espera da perícia, somada com a de pedidos de aposentadoria, em números redondos, soma mais de 2 milhões de pessoas, metade dos moradores da Região Metropolitana de Porto Alegre, que é formada por 34 municípios. Se as filas andassem, o problema seria menor. A questão é que, além de não andarem, elas crescem todos os dias. Enquanto isso, a imprensa se limita a fazer uma cobertura burocrática. É sobre isso que vamos falar.
Os problemas na Previdência Social começaram quando o presidente da República, deputados federais e senadores iniciaram o desmonte da legislação trabalhista implantada por Getúlio Vargas na década de 1930, com a criação do Ministério do Trabalho. O desmonte se acelerou com a redemocratização do Brasil, em 1985, quando se encerrou a ditadura militar que derrubara o presidente João Goulart, o Jango, em 1964. De lá para cá, cada um que sentou na cadeira de presidente tirou um pedaço das leis trabalhistas. E a cada pedaço que era tirado, os trabalhadores faziam as contas para saber se valia a pena continuar trabalhando ou se aposentar. A questão da perícia médica. Nos últimos anos, foram criadas dezenas de normas para evitar as fraudes que, graças à falta de fiscalização, prosperam como ervas daninhas. Por conta disso, hoje o segurado precisa provar que não é bandido para depois receber atenção do perito médico do INSS. O desmonte foi acelerado no governo do presidente Michel Temer (MDB) e consolidado no final do primeiro ano de Bolsonaro. Daí, em 2020, veio a pandemia causada pela Covid-19, e o que era confuso tornou-se um caos.
Um velho colega repórter estradeiro e meu amigo de longa data, que tem passado longas manhãs nas filas do INSS, me chamou a atenção para o seguinte. Antes a Previdência Social tinha uma estrutura administrativa focada no cumprimento da legislação que protegia o trabalhador. Está acontecendo que os atuais funcionários não foram reciclados para entenderem o desmonte do setor. Ainda mais. O desmonte exige o reforço do quadro de funcionários porque aumenta a demanda dos segurados, principalmente na busca da aposentadoria, para garantir os seus direitos adquiridos. Essa é a situação. Qual é a responsabilidade do governo Bolsonaro? A reforma da Previdência do atual governo foi o fósforo que acendeu o pavio dessa bomba. Mesmo que não existissem todos os problemas criados na saúde pública e na economia pela Covid-19, que já matou mais de 140 mil brasileiros, essa bomba explodiria no colo de Bolsonaro. Por quê? O ministro da Economia, Paulo Guedes, não conseguiu fazer andar a economia do país. Muito pelo contrário, no primeiro ano de governo, em 2019, o contingente de desempregados engordou. Até aqui nós explicamos ao leitor que o governo Bolsonaro é mais uma peça da máquina de desmonte das leis previdenciárias e trabalhistas de Getúlio Vargas. Agora vamos conversar sobre a parte exclusiva do atual governo.
A maneira do governo Bolsonaro de lidar com a máquina administrativa federal emperrou tudo e transformou a vida dos usuários dos serviços públicos federais em um inferno, especialmente em relação ao INSS. Vejamos. O presidente cometeu três grandes erros. O primeiro foi ter concordado com os seus conselheiros do Gabinete do Ódio em fazer uma varredura dentro das repartições públicas em busca de funcionários ligados aos partidos de oposição, especialmente ao PT. O segundo erro foi ter colocado na coordenação de vários setores pessoas que, além de não entenderam nada do serviço, ainda eram politicamente ligadas a doutrinas exóticas e perigosas, como o terraplanismo, o ocultismo e o nazismo – há um farto material sobre o assunto na internet. E, por último, está um assunto que ainda vai dar muito pano para manga. Há mais de 6 mil militares da reserva e da ativa das Forças Armadas e das polícias militares atuando na administração federal. Há um boato que está sendo investigado de que uma parte desse pessoal trabalha espionando os funcionários públicos de carreira.
Dentro de um ambiente confuso como o atual qualquer vírgula errada em um documento torna-se um grande problema. Hoje há nos jornais do Brasil uma carência enorme de reportagens que expliquem como a máquina administrativa federal está funcionando. Por exemplo. Não sabemos onde estão e quanto ganham os militares espalhados por todos os ministérios. Os problemas do nosso leitor são reais. E ele precisa de informações corretas, escritas de maneira direta, para se organizar e conseguir sobreviver. É por aí, colegas.