Oficialmente não existe. Mas, de fato, a República Federativa do Brasil tem um quarto poder que atualmente é comandado por dois grupos empresariais: Odebrecht e JBS. Os outros três poderes oficiais são o executivo (Presidência da República), legislativo (Câmara dos Deputados e Senado) e judiciário (tribunais).
A existência do quarto poder foi revelada pelas investigações da força-tarefa da Operação Lava Jato. E o seu funcionamento foi detalhado nas delações premiadas feitas pelos empresários Joesley Batista, um dos donos da JBS, e Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, dezenas de executivos dos dois grupos empresariais, ex-ministros, burocratas de estatais e ex-ministros. Usando como moeda a propina, os dois grupos empresariais financiaram eleições de presidentes da República, senadores e deputados federais e subornaram funcionários e autoridades de tribunais. Por meio do suborno, fizeram aprovar leis que beneficiaram suas empresas.
De onde vinha o dinheiro do suborno? Não era do bolso dos empresários. Mas do contribuinte. O sistema usado era muito simples. No caso da Odebrecht, ele vinha do superfaturamento de obras públicas. Da JBS, de financiamentos, muitos sem as garantias devidas, de bancos públicos. No Senado e na Câmara Federal, o quarto poder pagava suborno para os parlamentares defenderem os seus interesses. Os dois casos mais notórios foram do senador Delcídio Amaral (PT – MS), que foi preso, cassado e tornou-se delator da Lava Jato – toda a história pode ser encontrada na internet. E o do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB – RJ), que foi cassado e condenado a 15 anos de prisão pelo juiz Sérgio Moro, da Lava Jato. O ex-parlamentar cumpre pena na Região Metropolitana de Curitiba (PR). Antes de ser cassado, Cunha foi peça fundamental na conspiração feita pelo grupo político do presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP). A conspiração resultou no impeachment da presidente da República Dilma Rousseff (PT – RS), que teve o cargo ocupado pelo seu vice, Temer.
Um dos pilares da conspiração que resultou na queda de Dilma foi o boicote a economia, que já vinha com problemas. Ele aconteceu com a votação na Câmara Federal, presidida por Cunha, das chamadas “pautas-bomba” – votação de projetos que aumentariam as despesas do governo. Durante o processo do impeachment, o empresário Joesley Batista comprou cinco deputados, ao custo de R$ 3 milhões cada, para votar a favor de Dilma. Portanto, contra Temer. Meses depois, o empresário fez uma delação premiada onde revelou que tinha uma ligação muito forte e pessoal com o Temer. Revelou, em detalhes, as várias vezes em que subornou o atual presidente da República para defender os seus interesses. E também subornava o senador Aécio Neves (PSDB – MG) para cuidar de negócios de suas empresas. No mês passado, na sua delação premiada, Joesley Batista ferrou, entre outros: Temer, Aécio e Guido Mantega (ex-ministro da Fazenda de Dilma).
Ao optar por salvar o seu pescoço e ferrar os seus ex-aliados, Joesley Batista seguiu o mesmo caminho de seu colega empresário Marcelo Odebrecht, que na sua delação não deixou pedra sobre pedra. Mostrou, com riqueza de detalhes, como nutriu com grandes somas de dinheiro as campanhas presidenciais do PT e do PSDB. Um dos denunciados por Marcelo foi Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda, no governo Lula, e da Casa Civil, no mandato de Dilma. Palocci está preso preventivamente e negocia uma delação premiada com a Lava Jato. Aqui vale uma lembrança. Durante as delações, Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, disse que não entendia o motivo pelo qual a imprensa estava fazendo todo aquele alarido sobre as delações, se já sabia o que acontecia havia três décadas.
Ele tem razão. A estruturação do quarto poder não é de hoje. Ele vem de longe – é já foi ocupada por várias grandes empresas. Hoje surpreende pelo grau de sofisticação a que chegou e pelo tamanho da rede de pessoas subornadas. E, cruzando as informações das delações, uma coisa fica clara: o dinheiro do quarto poder não tem ideologia nem fidelidade. Ele é distribuído entre os grupos políticos amigos e inimigos. O que interessa e ter ligações com quem ganhar a disputa eleitoral. Aqui gostaria de refletir com os meus colegas repórteres, principalmente os novatos. Nós temos que mostrar aos nossos leitores, de uma maneira simples, objetiva e sem frescura, como o dinheiro usado pelo quarto poder prejudicou o cotidiano dele. O prejuízo não foi só a falta de dinheiro para comprar o remédio para o posto de saúde. É muito mais que isso. O maior prejuízo é que o parlamentar que ele elegeu não está defendendo os interesses dele. Muito pelo contrário. Mas da corporação que o suborna para defender e aprovar leis que a beneficie. O quarto poder conseguiu tornar o voto apenas uma formalidade.