Continuam intactas as pistas para a solução do sumiço da professora Cláudia, da UFPel

Professora Cláudia um caso que ainda espera solução. Foto: Reprodução

Os familiares e amigos da professora Cláudia Hartleben cruzam todos os dias pelas ruas da cidade com os três suspeitos pelo desaparecimento dela na noite de 9 de abril de 2015. “É cruel”, ouvi de um dos parentes de Cláudia, que era professora do curso de Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e tinha 47 anos na época. Enquanto esse tipo de situação persistir, o Rio Grande do Sul continuará se perfilando entre os lugares no Brasil mais violentos para as mulheres – há dezenas de matérias disponíveis na internet mostrando as estatísticas oficiais e análises de especialistas no assunto. O que quero conversar com os meus colegas é sobre a responsabilidade dos jornalistas pela existência desse tipo de situação.

Não é a primeira e não será a última vez que falo sobre esse assunto. Por quê? Sei, pela experiência de quatro décadas na lida de repórter, que sempre que nós calamos, as coisas não acontecem. Imaginem? Dentro da confusão que o país vive nos dias atuais, em que a pandemia causada pela Covid-19 já matou 590 mil brasileiros, quem irá se importar com o caso da professora Cláudia e de outras mulheres que também são procuradas vivas ou mortas pelos seus parentes no território gaúcho? Um repórter comprometido com os interesses do seu leitor. O caso da professora Cláudia é um escândalo porque nos dias atuais as pistas deixadas pelos suspeitos não desaparecem como acontecia há alguns anos, na época em que não existiam as novas tecnologias que temos hoje. Lembro que até o final da década de 90 revisar as pistas de um caso antigo sem solução era um trabalho imenso para o investigador da Polícia Civil, porque era preciso abrir caixas entulhadas de papéis guardadas em depósitos. Hoje, basta apertar um botão no teclado do terminal. Há imagens de câmeras de segurança, laudos do Instituto-Geral de Perícias do Rio Grande do Sul, álibis dos suspeitos que precisam ser reavaliados e inúmeros outros detalhes. Aqui chamo a atenção dos meus colegas para o seguinte. Uma investigação policial não acaba enquanto não provar a culpa do suspeito ou inocentá-lo. E novos equipamentos e novas técnicas surgem todos os dias para facilitar o trabalho do investigador.

Antes de seguir com a história. Estou sendo sacana com os colegas repórteres, especialmente os jovens que estão na correria da cobertura do dia a dia das redações, em não entrar nos detalhes do desaparecimento da professora Cláudia. Faço isso para que o interessado pelo caso pesquise o que publicamos e pratique uma das mais antigas técnicas do jornalismo investigativo: o cruzamento de informações. Através desse cruzamento conseguimos montar o roteiro dos acontecimentos. É ali, no roteiro, que está a solução. Tenho pregado que é a hora das faculdades de jornalismo deixarem um pouco de lado os grandes pensadores da nossa profissão e mergulharem nos casos reais para mostrar aos alunos os fundamentos da investigação jornalística, que é diferente da policial. Os policiais são protegidos por uma série de leis que facilitam o acesso a informações, como as escutas telefônicas. O jornalista não usa esse instrumento de trabalho. Mas pode ter a sorte de encontrar no lixo do investigado um boleto da conta do telefone. Já me aconteceu. No início da nossa conversa falei que o caso da professora Cláudia não o único no território gaúcho. Existem outros dois cujos suspeitos são conhecidos. Porto Alegre, 2005, a comerciante Sirlene de Freitas Moraes (42 anos, na época) e o seu filho Gabriel (sete anos, na época) foram encontrar um médico que havia prometido assumir a paternidade do menino. Ela e o filho nunca mais foram vistos. Três Passos, 2011, Cintia Luana Ribeiro Moraes (14 anos, na época), grávida de sete meses, foi encontrar com um brasiguaio – como são chamados os agricultores brasileiros que migraram para o Paraguai – que estava na cidade e era o pai da criança. Também nunca mais foi vista. Trabalhei nos três casos. É difícil entrevistar ou simplesmente conversar com familiares de pessoas desaparecidas. Eles guardam lá no lugar mais profundo da sua mente e coração a esperança de que a pessoa voltará. Ou que pelo mesmo encontrarão o corpo e terão o direito de fazerem suas orações e enterrá-lo. Do outro lado dessa questão está a Polícia Civil. As delegacias, mesmo as especializadas, não têm estrutura para comprometer os seus recursos e agentes em um caso de desaparecimento que não seja resolvido em 72 horas. Sem o corpo é muito difícil conseguir levar um suspeito ao tribunal. Falei sobre isso no post “Procurados vivos ou mortos”, que publiquei em setembro de 2018.

Para arrematar a nossa conversa. Sempre conto uma historinha que aconteceu comigo nas minhas palestras para estudantes de jornalismo e colegas pelas redações do interior do Brasil. Sempre haverá um repórter em algum canto de redação, mesa de boteco ou simplesmente sentado no sofá em casa vendo o tempo passar que remexerá a sua memória em busca dos assuntos não resolvidos. Tive um colega que tinha uma agenda de matérias que ele fazia de tempos em tempos só para lembrar as autoridades que não tinha esquecido. Acredito que seja justamente esse comprometimento que temos em dar uma satisfação para o leitor que tem assegurado, através dos tempos, a sobrevivência da nossa profissão. A vida de repórter só é glamorosa nos filmes de ficção. No nosso dia a dia é uma pedreira.

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