As investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, CPI da Covid, sobre a atuação do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na administração da pandemia que já causou a morte de 530 mil brasileiros ainda não estão concluídas. Muitas novidades estão vindo por aí. Mas as apurações até agora feitas pelos senadores estão mostrando que o governo Bolsonaro funciona como a “casa da mãe joana”, um dito popular que indica um lugar sem ordem, uma confusão onde quem grita mais, leva. O material já coletado pelos senadores, depoimentos, informações da quebra de sigilos (telefônico e bancário), documentos e outras provas, mostram os vestígios de como as coisas aconteceram na questão da compra das vacinas, fundamentais para a sobrevivência da população e a retomada da economia.
O presidente Bolsonaro só se deu conta da importância da vacina quando um dos seus adversários políticos, o governador de São Paulo João Doria (PSDB-SP), se cacifou para disputar as eleições de 2022 por ter à disposição no final de 2020 mais de 6 milhões de doses do imunizante CoronaVac, fabricado pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Na época já havia sido desencadeada no mundo uma corrida dos países em busca de vacina. Em agosto do ano passado, a Pfizer ofereceu ao governo do Brasil 70 milhões de doses da sua vacina. Bolsonaro e o seu ministro da Saúde na época, o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, não deram bola para a oferta e preferiam apostar no Kit Covid, uma série de remédios, entre eles a cloroquina e a Ivermectina, que não são eficazes contra o vírus. E alguns deles, como a cloroquina, tem efeitos colaterais sérios. Bolsonaro sentiu que o seu projeto de reeleição poderia ir por água abaixo se não ganhasse a corrida da vacina do governador Doria. Essa situação criou uma oportunidade de ouro para os estelionatários ganharem dinheiro, como foi o caso do “um dólar por vacina”. Um cabo da Polícia Militar de Minas Gerais, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, reforça os seus ganhos fazendo bico como vendedor de vacinas. Ele ofereceu ao governo federal um lote de 400 milhões de doses da vacina AstraZaneca. O preço de cada dose era 3,50 dólares. O caso veio a público quando a Folha de São Paulo contou a história. Dominguetti denunciou que o então diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, teria exigido dele uma propina de “um dólar por vacina”. O lobista do cabo no governo era o pastor evangélico Amilton Gomes, dirigente da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), uma organização não governamental.
A outra história de vacina nascida na ânsia do governo de derrotar o governador Doria foi o caso do imunizante Covaxin, fabricado na Índia. Os irmãos Miranda, o deputado bolsonarista Luis Miranda (DEM-DF) e o funcionário de carreira do Ministério da Saúde Luís Ricardo, denunciaram pessoalmente para o presidente da República ilegalidades no processo de compra da vacina – há matéria na internet. Aqui chegamos a um ponto da história que gostaria de refletir com os meus colegas mais jovens que estão na correria da cobertura do dia a dia das redações. Os dois casos envolvem estelionatários. A pergunta é a seguinte: como estelionatários chegam à sala do presidente da República do Brasil oferecendo negócios bilionários de mercadorias que jamais seriam entregues? O caminho deles não foi só facilitado pela ânsia do governo de não perder terreno para Doria. Esse tipo de bandido é astuto. Lembro que quando comecei a minha carreira de repórter, em 1979, existia uma expressão entre nós: “conversa de estelionatário”. Era uma maneira de dizer que o entrevistado mentia. O que facilitou o caminho dos estelionatários? O governo do presidente Bolsonaro é cheio de “puxadinhos” – como se chamam as reformas clandestinas feitas em um imóvel. Há o Gabinete do Ódio, que é formado pelo círculo de pessoas próximas, como os filhos parlamentares do presidente, que dá a linha ideológica do governo e controla a produção de fake news. Tem o orçamento paralelo, onde estão alojadas as verbas para pagar parlamentares por apoio no Senado e na Câmara dos Deputados. Tem o Gabinete Paralelo, que aconselha Bolsonaro sobre a pandemia.
Lembremos que em 2020 o então ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, tornou o negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade do vírus em política de governo. No meio do ano começaram a aparecer os resultados das pesquisas das vacinas contra a Covid. O presidente continuava insistindo na aplicação do Kit Covid, formado por drogas como a cloroquina, Ivermectina e outros remédios sem efeito contra o vírus. No meio do ano, a Pfizer ofereceu 70 milhões de doses da vacina para o governo do Brasil. Bolsonaro não deu bola. O presidente só começou a se preocupar com a vacina quando o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), gritou aos quatro ventos que o convênio feito pelo Instituto Butantan com a empresa chinesa Sinovac tinham produzido 6 milhões de doses da vacina CoronaVac e que poderia começar a vacinar a população de São Paulo ainda em 2020. Bolsonaro não tinha vacina e ficou desesperado porque o nome de Doria começou a crescer para a disputa presidencial em 2022. Publicamente, Bolsonaro seguiu pregando o uso do seu Kit Covid. Mas entre as quatro paredes do seu governo se buscava por vacinas para competir com Doria. Esses “puxadinhos” são formados por pessoas que estão ali para encher os bolsos. Portanto, estão atentas a um bom negócio, como foi o caso das vacinas.
Os senadores da CPI da Covid estão apurando a responsabilidade do governo Bolsonaro nos casos das vacinas. De uma coisa já têm provas. O negacionismo do presidente da República sobre o poder de contágio e letalidade do vírus foi transformado pelo ex-ministro Pazuello em uma política de governo que é responsável por parte, em torno de 300 mil, dos 530 mil mortos pela Covid no Brasil. Além de episódios que se tornaram notícia no mundo inteiro, como foi a falta de oxigênio nos hospitais de Manaus (AM) e interior do Pará, que matou por asfixia centenas de pacientes pelo vírus. Tenho dito que a história é a melhor professora que existe para o repórter. Ela nos ensina que na sombra de um dirigente autoritário brotam os inescrupulosos. Bolsonaro nunca mentiu para ninguém que é um autoritário. Muito pelo contrário. Sempre falou com orgulho sobre o assunto. Agora ele vai ter que explicar para os senadores sobre a lambança que o seu autoritarismo causou.