A prisão do ex-presidente da República Michel Temer (MDB – SP) é uma oportunidade de se reescrever a história do impeachment de sua antecessora, Dilma Rousseff (PT – RS). Em 2016, Dilma sofreu uma ação de impeachment articulada pelo grupo político do seu então vice, Temer, que a substituiu. Existe a história oficial do impeachment que pode ser encontrada nos arquivos do Senado, da Câmara dos Deputados e nos conteúdos dos noticiários. Mas existe a história não contada que é guardada por personagens como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB–RJ).
Cunha foi peça-chave no grupo político de Temer durante a conspiração contra Dilma. Dono de personalidade forte, ele tem 60 anos e foi deputado federal de 2003 até 2016, quando foi cassado e perdeu o foro privilegiado. Condenado e preso pela Operação Lava Jato, cumpre pena de 14 anos e seis meses por corrupção no Complexo Médico-Penal, em Curitiba (PR).
Cunha foi abandonado por Temer. Fez várias tentativas de mostrar ao então presidente que tinha munição para complicar a vida dele. Mas não teve sucesso. A cada semana que passava na cadeia, via seu poder entre os deputados federais minguar, até ninguém mais se lembrar do político poderoso que reunia em torno de si um grupo de mais de 120 deputados que lhe deviam todo tipo de favores, principalmente econômicos. Na época, o núcleo central do grupo político de Temer era formado pelos ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha. Franco é ex-governador carioca e foi preso preventivamente com o Temer.
Cunha tem uma informação muito importante para entender o impeachment de Dilma. Ele sabe como nasceu a ideia da conspiração e quem a teve. O que escrevemos a respeito é que Cunha encurralou a administração de Dilma com as “pautas bombas” – aprovação de projetos que aumentavam as despesas do governo federal. Enquanto isso, o ex-senador Aécio Neves (PSDB – MG), que havia disputado as eleições presidenciais com a Dilma, municiava os noticiários com denúncias contra o PT. Na época das “pautas bombas”, de que lado Temer estava? Oficialmente, ao lado da Dilma. Tinha sido nomeado articulador do governo no Congresso. Em que momento ele passou para o outro lado, ou sempre esteve lá?
Saber com exatidão o que aconteceu é importante para o registro exato dos fatos, uma ferramenta importantíssima nas mãos dos historiadores. Mais ainda: quanto custou a queda da Dilma e quem pagou por ela? Colegas da imprensa estrangeira, especialmente a americana, têm carência de informações de bastidores sobre o impeachment. Cunha é a pessoa que tem informação para preencher os espaços vazios desse episódio. A pergunta que se faz agora é: ele vai contar o que sabe apenas por um ato de vingança contra Temer? A história tem ensinado que homens como Cunha não agem por vingança, ódio ou amor. Eles buscam oportunidade de sobreviver. E se faltar munição para os atuais acusadores de Temer para condená-lo, Cunha pode ajudar. E se ele ajudar, a Justiça vai nos fornecer informações importantes para entender o que ainda não foi explicado sobre o impeachment.
Eu tenho 68 anos, 40 como repórter. Entre 1979 e 2014 trabalhei dentro de uma redação. Foram anos interessantes. Mas nada comparado com o que está acontecendo hoje. A começar que o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL – RJ), segue a cartilha do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que odeia jornalistas, usa as redes sociais para falar e arma uma confusão a cada dia. Bolsonaro faz o mesmo. O símbolo da Operação Lava Jato, o então juiz federal Sérgio Moro, que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT – SP) por corrupção, renunciou à carreira e hoje é ministro do Bolsonaro, que foi adversário nas eleições de Lula. Como chegamos à atual situação? Homens como Cunha sabem de informações importantes para conseguirmos explicar ao nosso leitor o que aconteceu e o que vai acontecer. Em um ambiente recheado de fake news e pregadores da intolerância nas redes sociais, um repórter bem informado faz a diferença.
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