Decadência do prestígio de Bolsonaro respinga na imagem das Forças Armadas

O presidente da República intencionalmente misturou o seu nome ao dos militares. Foto: Reprodução.

Uma lição que os jornalistas aprenderam. Qualquer análise sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que ultrapasse um período de 24 horas corre o grave risco de caducar. Tal é a velocidade alucinante dos acontecimentos no governo, que se comporta como se fosse uma montanha-russa. Hoje (30//11), o dia seguinte às eleições municipais, eu acredito que o destino de Bolsonaro seja o mesmo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), que concorreu à reeleição e foi derrotado pelo democrata Joe Biden. Mas isso é hoje. Reajustar o rumo das previsões é para os meus colegas comentaristas políticos que trabalham nas redações. Vou conversar sobre fatos que as eleições consolidaram. Vamos a eles.

Não é oficial. Mas na imaginação popular as Forças Armadas assumiram o governo com a eleição de Bolsonaro. Capitão reformado do Exército, ele e três de seus filhos, Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador pelo Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo, sempre venderam para a opinião pública a imagem de que Exército, Marinha e Aeronáutica garantiriam qualquer decisão que tomassem. Ainda durante a campanha, em outubro de 2018, Eduardo, ao responder a uma pergunta sobre a hipótese de o Supremo Tribunal Federal (STF) impedir a posse do seu pai por considerar ilegal algum procedimento durante a campanha, disse o seguinte: “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não”. Ao assumir o governo, Bolsonaro espalhou pela máquina administrativa federal mais de 6 mil militares da ativa, da reserva e reformados. Colocou generais como ministros, como é o caso da Saúde, dirigida pelo general Eduardo Pazuello. Nos últimos dois anos várias vezes o presidente ameaçou recorrer às Forças Armadas para garantir “a democracia”. A tal ponto que ministros do STF vieram a público dizer que esse não era o papel constitucional dos militares – matérias na internet. O comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, fez uma declaração pública dizendo que as Forças Armadas seguem a Cons­ti­tui­ção, onde está descrita a função dos militares. O presidente da República é o comandante das Forças Armadas. Mas ele só pode usar os militares no que é previsto pela Constituição. O resto é contra lei.

Os 6 mil militares, entre eles generais da ativa, que fazem parte do governo estão lá por conta deles. E pelos salários que recebem. Essa é a realidade. Mas no imaginário popular eles representam as Forças Armadas, e foram colocados ali para fazer as coisas funcionarem. Mas as coisas não estão funcionando. O serviço público federal está um caos, vejam o caso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O negacionismo de Bolsonaro em relação à pandemia causada pela Covid-19 tornou caótico o combate ao vírus, a tal ponto que o general Pazuello foi avisado pelos ministros do STF que ele pode futuramente vir a ser processado por genocídio. A Covid-19 já matou 170 mil brasileiros. A devastação da Floresta Amazônica vem sendo facilitada pelas vistas grossas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Pode resultar em sanções econômicas para o Brasil, impostas pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden. A soma de todos esses fatos e mais outros, como a ameaça de Bolsonaro de ir à guerra contra os americanos, resultaram na decadência política do presidente. Em 2018, os candidatos a governador, senador e deputado federal corriam atrás de Bolsonaro em busca do seu prestígio. Nas eleições municipais a maioria correu para longe dele.

O fato é que o estilo do presidente Bolsonaro de conduzir o governo tem produzido conflitos em todas as áreas da administração federal. Há mais de 20 milhões de pessoas desempregadas. Por conta do negacionismo do presidente o país ainda não tem pronto um plano de como aplicará a vacina contra a Covid. A tarefa é de Pazuello. Mas como ele irá cumpri-la, se o seu chefe é contra? Lem­bra­mos que ele foi repreendido publicamente por Bolsonaro e respondeu à humilhação dizendo: “É simples assim: um manda e o outro obedece”. Por que o presidente Bolsonaro e seus filhos nunca esclareceram que as Forças Armadas não estão no poder? A resposta é muito simples. Eles surfam no prestígio do Exército, Marinha e Aeronáutica. As Forças Armadas levaram mais de duas décadas para reconstruir a sua imagem, que havia sido abalada com o golpe militar de 1964 e os 21 anos de arbitrariedades que a ele se seguiram, como tortura a presos políticos – há trabalhos sobre o assunto publicados e disponíveis na internet. Em dois anos de governo, Bolsonaro danificou a imagem dos militares. Seja lá qual for o destino dos dois últimos anos do mandato do presidente, ele soldou com tal intensidade a sua imagem à das Forças Armadas que parecem ser a mesma coisa. Mas não são. Nunca foram, como já contamos em várias reportagens publicadas. Como é que essa história vai terminar?

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