
Foi em um quente final de tarde de 1990, em Xapuri, pequena cidade perdida no meio da exuberante Floresta Amazônica, no interior do Acre, que conheci a atual titular do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, 67 anos. O encontro aconteceu em um prédio antigo, onde tinha sido improvisada uma sala de imprensa para os jornalistas que, vindos de vários cantos do mundo, participavam da cobertura do júri popular do fazendeiro Darly Alves da Silva e do seu filho Darci Alves Pereira, ambos acusados pelo assassinato, em dezembro de 1988, de Chico Mendes. Sindicalista, ecologista e referência na defesa da Amazônica, Mendes ficou conhecido mundialmente por usar uma estratégia singular para proteger a floresta: o “empate”. Consistia em abraçar as árvores que estavam marcadas para serem abatidas pelas motosserras manejadas pelos grileiros das terras públicas que estavam substituindo a selva por pasto para o gado.
O círculo pessoal de Chico Mendes era composto por Marina, a antropóloga Maria Helena Alegrete, religiosos ligados à Teologia da Libertação, sindicalistas e líderes dos seringueiros. Uma conversa com um deles era fundamental para acalmar os nervosos editores nas redações dos jornais de Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP). Vou explicar o pânico dos editores. Simples. O fuso horário do Acre é duas horas menos que o de Brasília (DF) e o das principais cidades do centro-sul do país. O julgamento no fórum de Xapuri começava às 9h no horário local e terminava por volta das 18h, que já eram 20h no Rio Grande do Sul. A primeira edição do jornal fechava às 20h30min. Na cobertura do julgamento só se tinha acesso a alguma informação relevante no final da sessão. Portanto, para a primeira edição o repórter precisava ter alguma coisa interessante para publicar. À dificuldade do fuso horário somava-se a precariedade das comunicações. Os telefones celulares eram escassos e funcionavam mal. Já existia uma espécie de laptop, que os repórteres apelidaram de “marmita”, que funcionava quando queria. Além disso, os poucos e precários telefones fixos eram disputados “no tapa” pelos repórteres. Daí a importância de fazer uma matéria com alguém do círculo pessoal do Chico. A sorte que tive de encontrar Marina na sala improvisada de imprensa salvou o meu dia. O que me chamou a atenção foi o seu grande conhecimento da questão ambiental brasileira. Eu sempre soube reconhecer quando uma pessoa entende do assunto que está falando por ser especializado na cobertura de conflitos agrários, povoamento de fronteiras agrícolas e crime organizado na fronteira.
O julgamento durou quatro dias e no final os réus foram condenados a 19 anos de prisão. Fiquei mais uma semana na região fazendo reportagens no meio da Floresta Amazônica. Voltei para Porto Alegre e segui a minha carreira de repórter. Passaram-se quase 35 anos desde então e, na quarta-feira (27), eu estava em casa, trabalhando em uma matéria, quando tive a minha atenção despertada pela notícia de uma discussão que tinha acontecido durante uma reunião da Comissão de Infraestrutura do Senado. Lá estava, no meio da confusão, a ministra Marina. Tudo começou quando o senador Osmar Aziz (PSD-AM), 66 anos, um experiente político do Amazonas, questionou Marina sobre as dificuldades enfrentadas para construir estradas na região. Ele falou forte e a ministra respondeu no mesmo tom. Houve um bate-boca entre os dois. Os senadores Marcos Rogério (PL-RO), 46 anos, e Plínio Valério (PSDB-AM), 70 anos, aproveitaram a confusão e ofenderam a ministra. Não vou repetir as ofensas por considerá-las um caso de polícia – elas podem ser encontradas em abundância nos noticiários na internet. Vou me concentrar em analisar a questão política da confusão. A interpretação dos analistas foi de que os senadores apostaram que iriam encurralar Marina. Usando a linguagem dos boxeadores, eles pretendiam levá-la para o canto do ringue, onde dariam o golpe de misericórdia. Marina conseguiu se desvencilhar e partiu para o ataque. E virou a situação a seu favor. Aqui é o seguinte. Liguei e conversei sobre a briga na Comissão de Infraestrutura com um colega repórter em Rio Branco (AC). Fui lembrado que a ministra, sempre que é encurralada, consegue dar um pulo por cima do cerco e virar a situação a seu favor. Desde que conheci Marina em Xapuri sempre acompanhei a carreira dela. Vou lembrar uma situação recente. Ao assumir como ministra, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, ela encontrou um caos no meio ambiente. O maior deles acontecia na terra indígena yanomami, um território de 9,2 milhões de hectares na fronteira de Roraima com a Venezuela, onde vivem 32 mil índios. A área estava invadida por dezenas de garimpeiros, boa parte deles ligados a organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo. Eles tinham dominado completamente a região e os índios estavam morrendo de várias doenças e, principalmente, de fome. Nos dias atuais, ainda há problemas com intrusos na área. Mas a maioria foi resolvido pela ministra Marina.
Para arrematar a nossa conversa. Até agora, Marina Silva lutou e venceu os representantes, no Congresso e nos governos estaduais e federal, dos garimpeiros, grileiros de terra, madeireiros ilegais e outros depredadores da Floresta Amazônica. Em parte, as suas vitórias foram facilitadas pelo fato de haver uma disputa entre os agressores da floresta. A situação agora é outra. A jazida de petróleo na Foz do Amazonas uniu todos os agressores do meio ambiente da região. A história da exploração desta jazida vem de longe. Mas é a primeira vez que existe a determinação do governo federal de fazer a exploração da área, obedecendo às regras ambientais. Há o empenho de Lula na extração do petróleo, aliado com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), 47 anos, e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), 35 anos. Os estudos sobre o potencial da reserva estão bem adiantados – matérias na internet. Este avanço uniu políticos, empresários e outros interessados na região, que deixaram de lado as suas diferenças políticas para trabalharem pela exploração do petróleo. Na opinião da maioria deles, as coisas andariam mais rápidas sem Marina no ministério. Por conta disso, analistas estão dizendo que ela caiu em uma armadilha na reunião da Comissão de Infraestrutura. Creio que só o tempo esclarecerá este assunto. O que existe de concreto é o seguinte. O prestígio profissional da ministra Marina é reconhecido ao redor do mundo. Esteja no ministério ou fora dele. Os jornalistas sempre correm atrás dela para saber a sua opinião. Comecei esta corrida lá em Xapuri.