Por conta do sufoco que foi a votação da Medida Provisória 1154/23 (MP da reestruturação dos ministérios), que foi aprovada no último dia 1º junho horas antes de caducar, tomou corpo a discussão de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa se envolver mais nas negociações com o Congresso em votações de matérias de interesse do governo. No caso da MP, se ela não fosse votada, voltaria a vigorar a estrutura ministerial deixada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O que causaria uma enorme confusão. O que está acontecendo com Lula? Ele está faltando com empenho ou está agindo com excesso de prudência na articulação política com o Congresso?
Para responder a essa pergunta precisamos examinar o cenário em que o governo está operando. Na primeira semana após a posse de Lula, em 8 de janeiro, houve uma tentativa de golpe de estado que ainda não está totalmente esclarecida. Na ocasião, bolsonaristas radicalizados invadiram a Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF), e quebraram tudo que encontraram pela frente nos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Também houve uma tentativa de explodir uma bomba em um caminhão-tanque com 60 mil litros de querosene de aviação nas imediações do Aeroporto Internacional de Brasília. Por conta desses dois episódios, mais de mil pessoas foram presas, incluindo oficiais e graduados das Forças Armadas e da Polícia Militar. Destas, 253 continuam detidas, cumprindo prisão preventiva. Entre os presos estava o delegado federal Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, em cuja residência agentes da Polícia Federal (PF) encontraram a “Minuta do Golpe”, um decreto de autoria ainda desconhecida que justificava o golpe. Todas as semanas, a Operação Lesa Pátria, da PF, descobre um fato novo sobre o 8 de janeiro. Soma-se a isso outras duas circunstâncias: o segundo e o terceiro escalões da administração federal ainda têm bolsonaristas trabalhando em postos-chave. E o governo é minoria no Congresso.
Essa é a parte mais saliente do cenário no qual está operando o governo. E, ao contrário do que aconteceu no seu primeiro e segundo mandatos (2003 a 2010), quando disse várias vezes que não sabia o que acontecia nas entranhas do governo, hoje Lula está atento ao que rola ao seu redor. Desde que assumiu (janeiro de 2023), tem dito e repetido, lá no meio das suas falas, que a responsabilidade pelo que acontece é dele. O que isso significa? Para responder a essa pergunta vou citar um fato. Por ocasião da votação da MP da reestruturação dos ministérios, a expressão que mais se escreveu nos noticiários foi a “falta de articulação” de Lula com os parlamentares. Inclusive, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que “daqui para frente o governo vai ter que aprender a andar com as próprias pernas”, referindo-se a fazer as suas próprias negociações para passar os seus projetos. Lira falou de maneira arrogante, dando a ideia que só ele entende de política. Na semana da votação da MP da reforma ministerial, Lula liberou R$ 1,7 bilhão em emendas para os deputados. A MP foi aprovada por 337 votos a favor e 125 contra. Se o presidente tivesse liberado o dinheiro das emendas um mês antes da votação os deputados votariam a favor do governo? Não vou discutir se é certo ou errado liberar emendas em troca de votos. Mas é esse o jogo: a moeda para conseguir os votos dos parlamentares são emendas e cargos, especialmente no segundo e terceiro escalões. Aqui é o seguinte. Antes de seguir contando a história vou fazer uma sugestão para os pauteiros – o cara na redação que organiza os assuntos que saem no jornal. Andei pesquisando e não encontrei uma matéria completa sobre como funciona o jogo entre situação e oposição na votação de matéria do interesse do governo no Congresso dos Estados Unidos, do Canadá e de outros países democráticos. Seria importante alguém fazer uma reportagem sobre o assunto para os leitores poderem comparar com o Brasil.
Voltando a nossa conversa. O negociador do governo com o Congresso é Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais. Mas a palavra final é de Lula. A imprensa tem caído de pau em cima do presidente, dizendo que esse sistema de negociação não funciona, e o responsabiliza por vários fracassos do governo, como o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática, que perdeu setores importantes, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), retirados pela MP da reestruturação ministerial – a história está disponível na internet e também no post que publiquei em 31 de maio com o título O que há no tabuleiro de Marina para negociar a sobrevivência do seu ministério? Tenho lá as minhas dúvidas se o presidente mudará o atual método de negociar com o Congresso. Vou citar duas. A primeira é que, ao tomar posse o novo governo, a manchete mais constante nos jornais era de que o partido do ex-presidente Bolsonaro, o Partido Liberal (PL), havia eleito um grande número de deputados e senadores, que fariam uma oposição feroz a Lula. Até agora, entrando no sexto mês do governo, essa oposição tem se mostrado desarticulada e isolada no Congresso. Mas têm votos suficientes (14 senadores e 76 deputados) para complicar a vida de Lula. Portanto, todo cuidado é pouco. E a segunda dúvida que tenho é que o poder atual das redes sociais faz qualquer assunto, em especial as fake news, circular o mundo em segundos. Isso significa que o presidente não pode se dar ao luxo, mesmo o Brasil sendo um país continental, de não saber o que está rolando no seu governo.
Respondendo à primeira pergunta que fiz sobre se está faltando empenho ou havendo excesso de prudência de Lula nas negociações com o Congresso. Não está faltando empenho para Lula, ele sabe o que está acontecendo ao seu redor e está agindo com excessiva prudência para evitar fazer o movimento errado e acabar se complicando. E só vai agir de forma diferente quando o seu governo deslanchar e a economia voltar a bombar, o que significará empregos e dinheiro para as famílias consumirem alimentos, bens e serviços. Isso significará apoio popular para o presidente, como já aconteceu nos seus outros governos. Esse apoio popular o manterá fora das armadilhas dos seus adversários. Até isso acontecer, o presidente continuará sendo prudente. Alerto os meus colegas que ser prudente não significa ser desinteressado. Esse texto não é opinativo. São fatos que publicamos e matérias que fiz. A primeira vez que conversei com Lula foi em 1989, em Porto Alegre. A segunda em 1998, em Ronda Alta, pequena cidade no interior gaúcho, berço do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Homens como Lula, o ex-governador Leonel Brizola (1922 a 2004) e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não são de cometer o mesmo erro duas vezes.