Independentemente do destino que terá o governo do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, 61 anos, para explicar o que aconteceu nas eleições presidenciais venezuelanas do último domingo (28/07), é necessário que a imprensa lance luzes sobre um personagem que atua nas sombras deste episódio: as Forças Armadas da Venezuela, que têm um efetivo de 150 mil soldados e perfila-se entre as melhores equipadas na América do Sul. É preciso descobrir quem é quem entre os militares e que cargo ocupam na máquina administrativa do país. O repórter brasileiro tem uma longa caminhada nesse tipo de pauta porque conhece o que aconteceu com os conspiradores do golpe militar de 1964 (que manteve os generais no poder até 1985) e a recente experiência de militarização da máquina administrativa no governo do ex-presidente da República Jair Bolsonaro, 61 anos (PL). Que desembocou na tentativa de golpe de estado em 8 de janeiro de 2023.
Um aviso aos leitores. Não vou discutir as diferenças políticas da presença dos militares na máquina administrativa de um governo de extrema direita e outro de extrema esquerda. Mas o fato de que a presença deles na administração acaba consolidando um bloco político que luta pelos seus interesses econômicos. Estão ali pelos seus soldos. É isso que a história nos ensinou. Voltando a nossa conversa. A história recente dos militares na Venezuela começa no final da década de 90, quando o então tenente-coronel Hugo Chávez (1954-2013) foi o mentor do Movimento Bolivariano Revolucionário – 200 (MBR-200), que defendia as ideias de Simón Bolivar (1783 -1830), um político e pensador que pregou o rompimento dos povos americanos com os colonizadores europeus. Chávez elegeu-se presidente (1999 a 2013) e transformou o perfil das Forças Armadas da Venezuela colocando os seus partidários em postos estratégicos. Isso mudou o foco da atuação dos militares, que passou da proteção das fronteiras contra os inimigos externos para a manutenção do poder do presidente da República. Essa mudança de foco pariu a situação atual. Vamos aos fatos. Chávez morreu em 2013 e Maduro assumiu a presidência da República. Está no poder há 11 anos e ficará mais quatro se as Forças Armadas enfiarem garganta abaixo os resultados das eleições presidenciais de domingo, quando Maduro concorreu contra Edmundo González, 74 anos. Vladimir Padrinho López, 61 anos, ministro da Defesa das Forças Armadas, declarou Maduro vencedor das eleições. Os apoiadores de González acusaram o governo de fraudar o resultado. Vários países, entre eles o Brasil e os Estados Unidos, exigiram as atas das urnas (documento que mostra a quantidade de votos por candidato) do governo Maduro – há matérias na internet. Milhares de pessoas protestaram contra o resultado das eleições pelas ruas e avenidas da Venezuela. Centenas foram presas e mais de duas dezenas morreram.
Até as atas das eleições aparecem e serem periciadas para saber da sua autenticidade o destino do governo Maduro é incerto. Já o destino dos militares é outra conversa. Lembro que quando Maduro herdou o governo de Chávez havia 1,2 mil generais nas Forças Armadas. Hoje são 2 mil, mais que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que é formada por 32 países. Nos ministérios, os militares ocupavam 35% dos cargos, atualmente ocupam 45%. Mais ainda: os principais cargos na Justiça foram escolhidos a dedo pelo atual governo. São muitos empregos e a maioria com altos salários. Mais ainda: na extração de petróleo a Venezuela é a joia da coroa por ter mais reservas que a Arábia Saudita – há matérias na internet. A pergunta é a seguinte: essa máquina administrativa negociaria a cabeça do Maduro em troca da sua sobrevivência? Ninguém sabe. O que sabemos é que o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, 78 anos (PT), e o seu colega americano Joe Biden, 81 anos (democrata), conhecem essa realidade. E os seus interlocutores já estão batendo nas portas certas para negociar a situação. Por que citei Lula e Biden? Em 2020, a vitória de Biden contra o então presidente Donald Trump, 78 anos (republicano), interrompeu um projeto de aparelhamento da máquina administrativa e do Poder Judiciário americanos. O cartão de apresentação dessa situação foi em 6 de janeiro de 2021, quando Trump incentivou a invasão do Capitólio (Congresso) pelos seus seguidores para impedir que a vitória de Biden nas eleições fosse homologada. Na ocasião, cinco pessoas morreram e 1,5 mil foram presas, muitas delas hoje respondendo a processos na Justiça. Trump falhou na época. Mas atualmente concorre outra vez à presidência, com boas chances de ganhar da sua principal adversária, Kamala Harris, 59 anos, vice de Biden. Lula ganhou a eleição de Bolsonaro, que concorria à reeleição em 2022. Em 8 de janeiro de 2023, bolsonaristas invadiram e depredaram o Congresso, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF). Na época, foram presas mais de 2 mil pessoas e atualmente pelo menos 1,2 mil estão presas e respondem a processo em liberdade vigiada.
No caso do ex-presidente brasileiro, se ele tivesse tido sucesso na tentativa de golpe completaria o seu projeto de militarizar a administração federal para garantir a sua perpetuação no poder. No seu governo havia pelo menos 6 mil militares, da ativa, reserva e reformados, ocupando cargos em vários ministérios. Esse contingente foi fundamental para o sucesso do negacionismo de Bolsonaro em relação ao poder de letalidade e contágio do vírus da Covid, que custou a vida de 700 mil brasileiros – há matérias na internet. Sou um velho repórter estradeiro, 73 anos, mais de 40 fazendo cobertura de conflitos agrários, ocupação de fronteiras agrícolas e crime organizado nos sertões do Brasil e em países vizinhos. Aprendi na cobertura dos conflitos que a obrigação do repórter é expor os fatos de maneira simples e correta para os leitores. Depois do que falei, eu pergunto. Caso o projeto de Bolsonaro tivesse dado certo, qual seria a diferença entre o Brasil e a Venezuela? Os brasileiros estariam sendo dirigidos pela extrema direita e os venezuelanos, pela extrema esquerda? Conversa fiada, os militares estariam no poder e lutariam pelos seus salários. Nem os Estados Unidos, a mais antiga democracia do mundo, está a salvo dessa turma.