Em 2016, a então presidente da República, Dilma Rousseff (PT – RS), teve o seu mandato cassado. Ela foi derrubada por uma conspiração feita pelo grupo político do seu vice, o atual presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP). Um ano depois, estão cassando o bem mais precioso da Dilma: a sua história política, que está sendo esfacelada pelas delações premiadas na Operação Lava Jato do casal de marqueteiros João Santana, 63 anos, e sua mulher, Mônica, 54.
Como repórteres, nós temos que enxergar onde parece que não existe nada. Para ajudar aos nossos leitores a entender o que acontece para tomar suas decisões: as acusações feitas pelos delatores contra Dilma serão apuradas e julgadas pela Justiça Federal, ponto. Mas as insinuações feitas pelos delatores, principalmente as deixadas no ar por Mônica, sobre a fragilidade emocional da Dilma, irão corroer a história politica de ex-presidente, que foi construída na luta armada contra a Ditadura Militar (1964 a 1985). A luta contra os militares reuniu grupos pacifistas e armados. Muitos desses lutadores morreram, centenas perderam seus empregos, e dezenas foram presos e brutalmente torturados, como é o caso da Dilma. A democracia brasileira deve a essa gente.
No caso da Dilma, ela chega a presidente da República apadrinhada por Lula, um ex-presidente de dois mandatos com um imenso prestígio. No seu segundo mandato, Dilma caiu pela sua falta de habilidade política – há vários livros e análises na internet sobre o assunto. Teve como algoz o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB – RJ), com suas pautas-bomba – projetos de grande impacto na economia no país. Cunha foi cassado e condenado pelo juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, e cumpre pena na Região Metropolitana de Curitiba (PR). O ex-deputado era uma peça chave na conspiração de Temer contra Dilma. A acusação oficial contra a então presidente foram as Pedaladas Fiscais – empréstimos ilegais de bancos oficiais para financiar o rombo no caixa do governo federal. Na votação da cassação, no Senado, graças a uma manobra política da ex-ministra da Agricultura da presidente Kátia Abreu (PMDB – TO), Dilma perdeu o mandato. Mas preservou seus direitos políticos.
Isso não foi escrito. Mas, ao preservar os direitos políticos de Dilma, os senadores respeitaram a história de todos aqueles que lutaram contra os militares que ocupavam o poder. Sem o seu mandato, Dilma preservou o respeito ganho na luta pela democratização do país, traduzido na imagem de uma mulher forte e independente. É justamente aí que a delatora Mônica age. Sem entrar no mérito. Mônica disse que a ex-presidente pediu que pagasse o cabeleireiro dela por não haver rubrica no orçamento da União. Agora nós temos: Lula tentando provar para a Lava Jato que não é dono de um apartamento tríplex, e Dilma, que irá responder pelo pagamento do cabeleiro. Mais ainda. Pelo contexto das delações do casal Santana e Mônica, a ex-presidente não decidia ir ao banheiro sem antes consultá-los. A simbiose descrita pelo casal com Dilma chegou a tal ponto que a ex-presidente tornou o seu ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, seu guri de recados para informar aos marqueteiros os bastidores da Operação Lava Jato.
Santana e Mônica são marqueteiros. Santana tem uma passagem de sucesso como jornalista em redações de grandes jornais. Portanto, são pessoas que sabem construir e destruir a imagem pública de políticos. As insinuações deles, principalmente as feitas por Mônica, não são palavras ao vento. Como repórteres, não podemos simplesmente repeti-las, é necessário contextualizá-las. Se não fizermos isso, a história irá nos cobrar.