Um das razões de a polícia gaúcha não conseguir deter os ataques a caixas eletrônicos nas pequenas cidades do interior é o alto grau de profissionalização atingido pelas quadrilhas nos últimos anos. Isso tem sido revelado na análise feita no cruzamento de informações contidas em depoimentos de bandidos presos. Para essas quadrilhas, um assalto é organizado como se fosse uma operação comercial normal que tem um custo: armas e munição são locadas, e os veículos usados são comprados dos ladrões de carro. Portanto, eles têm que ter certeza que o local a ser atacado tem dinheiro para cobrir os custos e deixar o lucro para ser repartido.
A história é a seguinte. Nós temos escrito, falado e repetido nos conteúdos dos noticiários que a proliferação dos assaltos a caixas eletrônicos e agências bancárias nos pequenos municípios aconteceu porque não tem como manter um contingente grande de policiais, por exemplo, em uma cidade de 3 mil habitantes. E isso facilita a ação dos bandidos. Mas essa não é a única causa. Diferentemente dos grandes e médios centros urbanos, onde as compras no comércio são feitas usando o cartão de crédito – chamado de dinheiro de plástico – e o principal uso do caixa eletrônico é para pagar as contas, nas pequenas cidades, as operações comerciais são pagas com dinheiro vivo. E o principal uso do caixa eletrônico é para retirar dinheiro. Aqui é o seguinte: o dinheiro que circula nessas pequenas cidades vem de três fontes: aposentadoria dos agricultores (mensal), venda de leite (mensal), suínos e frangos (semestral) e grãos – soja, milho e trigo – (anual). Dentro dessa realidade, um caixa eletrônico na pequena cidade tem mais dinheiro do que um em Porto Alegre. Especialmente se a cidadezinha tiver bacia leiteira e um número elevado de aposentados. Isso significa que todo final de mês o caixa eletrônico vai estar cheio de dinheiro.
A primeira vez em que ouvi falar sobre a circulação do volume de dinheiro foi no final dos anos 1990, na sala do então secretario da Justiça e Segurança do Estado, José Fernando Eichenberg, falecido em 2002. No final dos anos 1990, dois grandes chefes de quadrilha comandavam os roubos a bancos e carros-fortes: Jonas Antonio Machado, o Jonas Dedão, e Cláudio Adriano Machado, o Papagaio. Bem articulados, armados e informados, os dois brincavam de gato e rato com a Brigada Militar (BM) e a Polícia Civil. Uma decisão do Eichencherg conseguiu desarticular os quadrilheiros. Ele reuniu os representantes dos bancos e das empresas transportadoras de valores e exigiu ser informado com antecedência da circulação do dinheiro no Estado. E também das pessoas dentro dessas organizações que tinham acesso a esse tipo de informação. Foi com as informações sobre a circulação do dinheiro que ele conseguiu se antecipar à ação das quadrilhas. ´
Pelo que sei, o Eichencherg foi um dos raros secretários que conseguiu a colaboração dos bancos e das empresas de transporte de valores para rastrear a circulação de dinheiro no Estado. Vez ou outra, os quadrilheiros também fazem esse rastreamento. Seguidamente usamos nos noticiários declarações de policiais dizendo que os bandidos agiram porque tinham informações privilegiadas – que significa que alguém envolvido com a circulação do dinheiro avisou os quadrilheiros. Não é bem assim. Há muitas maneiras de as quadrilhas terem acesso a esse tipo de informação. Ainda mais nos dias atuais, quando uma vastidão de informações está disponível na internet. Há levantamento não oficial do Sindibancários, na última década, feito em 497 municípios gaúchos. Na última década, 68% deles, 337, foram vítimas de assaltos a bancos e caixas eletrônicos. Sendo a campeã a cidade de Barão, na Serra, com sete ataques, e Tapes, no Sul, com seis. Claro que existem vários fatores que levaram essas duas cidades a ser campeãs no número de ataques. Certamente, em uma delas, é o volume de dinheiro nos caixas eletrônicos e nas agências. Outro fato é que ação dos bandidos acabou com o sossego das populações das pequenas cidades e também está levando à falência o comércio local. E, para resolver o problema, o governo precisa muito mais do que polícia na rua. O caminho das pedras é outro.