Adoro ouvir conversa alheia em busca de uma história para contar. Nos dias seguintes ao resultado do segundo turno das eleições, eu estava fazendo compras no supermercado e ouvi uma conversa entre dois senhores, que aparentavam ter mais de 70 anos. Prestei atenção no papo porque era meu interesse saber o que estavam falando sobre a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que concorreu à reeleição. Espichei o ouvido em direção a eles com o interesse de escutar alguma coisa interessante sobre o resultado das urnas. Para minha surpresa, eles não falavam sobre política. Mas sobre a Copa do Mundo, que começa no domingo (20/11), no Catar, no Oriente Médio. Uma frase dita por um deles chamou a minha atenção: “Seleção que a imprensa não gosta ganha a Copa”. Através dos anos, ouvi dezenas de vezes essa frase, principalmente nas mesas dos botecos. É sobre a frase que ouvi dos dois senhores que vamos conversar.
Antes uma explicação, que julgo necessária. Eu também sou velho. Tenho 72 anos, 40 e tantos como repórter investigativo, sendo uns 30 passados em redação de jornal. Nunca escrevi uma matéria sobre futebol. Na profissão, me especializei na cobertura de conflitos agrários, migrações e crime organizado nas fronteiras. As matérias que fiz sobre jogadores de futebol foi quando algum se envolvia em uma confusão durante meus plantões na redação e eu os encontrava na delegacia de polícia. Portanto, leio, escuto e vejo as matérias feitas pelos colegas como torcedor. Voltando ao assunto da conversa que ouvi entre dois senhores no supermercado. Eles citaram a Seleção Brasileira de 1970 como exemplo de time que foi criticado pela imprensa e acabou ganhando a Copa, o tricampeonato mundial do Brasil. Na época, eu era um jovem de 20 anos e morava com a minha família no Lava Pé, um bairro pobre da cidade de Encruzilhada do Sul, no Vale do Rio Pardo, interior do Rio Grande do Sul, um lugar muito frio, onde a água congela nos canos no inverno. A minha casa era uma das raras que tinha televisão e durante a Copa toda a vizinhança se acotovelava na sala para ver os jogos. Eram anos difíceis. Os militares que haviam dado um golpe em 1964, derrubando o presidente eleito João Goulart, o Jango, do antigo PTB, estavam no auge do poder que manteriam até 1985. A censura à imprensa era muito forte. Mas falar mal da Seleção nos jornais era permitido. Desde que não envolvesse autoridades governamentais nas matérias. Lembro que entre nós jovens existia uma espécie de acordo de não torcer para a Seleção porque ela estava sendo usada pelos militares para nos oprimir. Mas, na hora do jogo, acabávamos torcendo. Não tinha como ser indiferente àquele time.
Não corri atrás de informações para saber se existe alguma verdade na crença popular de que as seleções criticadas pela imprensa acabam ganhando a Copa do Mundo. Como disse, é uma crença popular. O que interessa é conversar sobre os conteúdos das matérias que estão sendo publicadas, que não estão levando em conta que, devido à Copa, o interesse público sobre o assunto se amplia muito. E uma boa parte desses novos consumidores não entende de futebol. Portanto, quando leem, ouvem e veem uma notícia não compreendem o que o repórter quer dizer, porque a linguagem que ele usa é para os entendidos no assunto. Na Copa do Mundo de 2018, eu escrevi o post A cobertura da Copa da Rússia é um teste para o novo modelo de redação dos jornais brasileiros. Esse novo modelo surgiu depois das demissões em massa de jornalistas e foi exigido dos que ficaram que produzissem texto, áudio e imagem. E dos comentaristas, que fizessem entradas em vários programas. Tudo isso recebendo um dos piores salários da história da categoria. Vou levantar um problema. A imprensa brasileira deu eco para uma declaração do técnico da Seleção, o gaúcho Tite, que disse que o Brasil é um dos times que tem grandes chances de ganhar a Copa. Seria um absurdo ele falar algo em contrário. Agora, a imprensa não precisava assinar embaixo. Lembro aqui a frase do grande Mané Garrincha durante o Mundial de 1958, na Suécia. O técnico brasileiro, Vicente Feola, explicava em uma prancheta para os jogadores como seriam as jogadas para neutralizar os jogadores da Rússia, que na época fazia parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Garricha teria então questionado Feola: “Combinou com os russos?” É de se perguntar para Tite se ele combinou com argentinos, alemães, franceses e as outras seleções consideradas de ponta.
Há mais uma história que os jornalistas brasileiros não estão se dando conta. Olha, os brasileiros viveram os últimos quatro anos com os nervos à flor da pele por conta da maneira de agir do presidente Jair Bolsonaro (PL). Era um rolo por dia. Primeiro foi a pandemia de Covid-19, que matou 670 mil brasileiros. Muitas das mortes aconteceram porque o presidente era negacionista em relação ao poder de contágio e letalidade do vírus, a história é toda contada no relatório de 1,3 mil páginas da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid no Senado (CPI da Covid). Depois vieram outros rolos, como as tentativas de golpe do presidente. Seja lá qual for o resultado da Copa do Mundo do Catar, ela traz para os brasileiros uma oportunidade de se unirem ao redor da sua Seleção. Isso precisa ser lembrado e valorizado pelos jornalistas.