Entre todos os ministros do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), incluindo o da Economia, Paulo Guedes, o cardiologista Marcelo Queiroga, 55 anos, é aquele que não sabe se, no final do expediente de cada dia, ainda estará no cargo de titular do Ministério da Saúde. Não precisa muito para perder o emprego. Por quê? O Ministério da Saúde está no meio do fogo cruzado entre o negativismo de Bolsonaro em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid-19. E os cientistas que reconhecem o perigo do vírus que já matou 440 mil brasileiros. E basta o ministro se atrapalhar em uma declaração pública e ir contra as crenças de Bolsonaro em relação ao vírus para ser demitido. Ou mesmo se tornar mais popular que o presidente, como foi o caso do ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, que ocupou o cargo de janeiro de 2019 até abril de 2020.
Mandetta ganhou popularidade por defender as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) contra a Covid. Foi demitido pelo presidente e seu substituto, o médico Nelson Teich, pediu demissão um mês depois de assumir. Foi substituído pelo general-de-divisão da ativa do Exército Eduardo Pazuello. O general transformou o negacionismo do presidente em política de governo. E tornou-se o símbolo da incompetência na luta contra o vírus por ter implantando e defendido as crenças presidenciais. Por pressão dos seus aliados, os deputados do Centrão, Bolsonaro o demitiu e o substituiu por Queiroga. Ele assumiu em um momento muito especial. A Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, conhecida como CPI da Covid, vasculha os cantos escuros do governo em busca de provas para colocar as digitais de Bolsonaro nas 440 mil mortes pelo vírus, no atraso da vacinação, na falta de oxigênio hospitalar em Manaus (AM) e o interior do Pará que matou centenas de vítimas da Covid por asfixia, e pelo colapso nos serviços hospitalares públicos e privados de 25 dos 27 estados em abril. O ministro da Saúde mostra aos brasileiros um governo que segue as regras no combate ao vírus. Mas, nas internas, o presidente da República continua na sua saga negacionista.
Queiroga defende uma política de saúde de fachada do governo Bolsonaro. Na realidade, o presidente segue praticando e pregando o negacionismo. É exatamente a necessidade do governo de ter uma fachada temente ao vírus que mantém o ministro da Saúde no poder. A pergunta que todos nós jornalistas brasileiros estamos fazendo: por que Queiroga aceita a função de ser ministro de “mentirinha”? É por dinheiro? Não. Por poder? Improvável. Ele acredita que poderá fazer uma carreira política? É provável. Seja lá qual for o motivo é certo que durante o seu depoimento na CPI da Covid o ministro conseguiu caminhar no fio da navalha e permitiu-se ocultar a verdade dos senadores várias vezes. Ele deve voltar a depor. Um dos problemas causados pela política negacionista do governo foi o atraso da vacinação no Brasil, que mata centenas de pessoas diariamente e também causa um prejuízo econômico jamais visto na história recente do país. Queiroga vem se notabilizando por dar boas notícias sobre vacinas. Agora a questão é a seguinte: se a CPI da Covid conseguir colocar a digital de Bolsonaro nas 440 mil mortes e outros problemas causados às vítimas da pandemia pela política negacionista do governo, Queiroga fica no governo? Se o presidente decidir que ele fica, o doutor Queiroga vai colocar no seu currículo que ajudou um governo genocida?
O ministro da Saúde está se equilibrando em um fio de arame estendido entre as bordas de um profundo abismo. Ele está começando a sua caminhada de travessia. E a cada passo que dá, mais difícil fica voltar atrás. Ele tem consciência, pelo menos é o que tem mostrado nas entrelinhas das suas declarações, que o presidente pode derrubá-lo desse arame a hora que bem lhe for oportuna. Apesar disso, o ministro continua avançando na sua travessia. Hoje ele consegue dar uma longa entrevista para vários repórteres que geram uma manchete de um fato já conhecido. Ou seja: não diz nada de novo. Agora, o que nós jornalistas não sabemos é como estão caminhando as relações entre o ministro e o Gabinete do Ódio, como são definidas as pessoas que circulam na órbita de Bolsonaro, entre elas os seus três filhos parlamentares: Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo. Se Queiroga conquistou a confiança dos filhos do presidente, ele faz a travessia do arame sem problemas e vai se juntar ao grupo que está trabalhando pela reeleição de Bolsonaro. Caso contrário, será descartado e demitido. Como tudo no governo federal, o futuro do ministro da Saúde será decidido na hora que ele se tornar um problema para a reeleição do presidente. Queiroga sabe disso. E está usando cada segundo à frente do Ministério da Saúde para deixar a sua marca, que pode ser uma simples inscrição: “Eu passei por aqui”. Seja lá qual for o seu destino, o certo é que hoje ele é o “ministro equilibrista de Bolsonaro”. Isso é um fato.