O presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), não deve estar tendo um sono tranquilo porque é a primeira vez em mais de 30 anos de carreira política que vai para uma disputa eleitoral sem poder ser ele mesmo. Precisa medir as palavras que diz e não pode sequer tocar nos temas que até agora garantiram as suas reeleições, como a sua admiração pelos torturadores dos presos políticos durante o regime militar (1964 a 1985) e a sua descrença na ciência, no caso das vacinas contra a Covid-19. Em síntese, esses são os termos do acordo feito por ele e os parlamentares do Centrão, representados por Ciro Nogueira, seu ministro da Casa Civil e presidente do Partido Progressista (PP). O acordo tem dois objetivos: o primeiro foi garantir que nenhum dos mais de 120 pedidos de impeachment que repousam na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), saísse de lá. E o segundo é garantir a reeleição do presidente. A primeira parte do acordo foi cumprida e a segunda está em andamento. Até agora está conseguindo fazer Bolsonaro avançar nas pesquisas de intenção de votos, estancando a sangria dos seus eleitores para outros candidatos da chamada terceira via. A terceira via é uma história nascida das redações dos jornais, entre os colunistas políticos que defendem a existência de um candidato que derrube a polarização na disputa eleitoral entre Bolsonaro e o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP).
O número de interesses que reúne esse acordo de Bolsonaro com o Centrão é como se fosse uma panela de pressão fervendo em fogo alto em um fogão industrial. A questão é se vai explodir antes ou depois das eleições. Vamos analisar a situação. Até o presidente ser eleito em 2018, eu e a maioria dos jornalistas brasileiros o conhecíamos como um parlamentar exótico do Rio de Janeiro na Câmara dos Deputados. Capitão reformado do Exército depois de ter feito uma série de lambanças no quartel, dono de uma língua felina, sempre com um absurdo para dizer para os jornalistas que acabava virando manchete nos noticiários. Na disputa eleitoral de 2018, uma série de eventos, como a prisão de Lula pelo então juiz da Operação Lava Jato Sergio Moro, e o atentado sofrido por ele, tornaram Bolsonaro um candidato em ascensão. Foi aí que vários generais e outros oficiais de alta patente das Forças Armadas apostaram nele como uma chance de voltar ao poder. Candidatos a governador, como João Doria (São Paulo), Wilson Witzel (Rio de Janeiro) e vários outros, e também candidatos a senador e deputado federal de vários cantos do país, foram eleitos vinculando-se a Bolsonaro, a maioria deles com uma votação enorme. Logo nos primeiros meses de governo começou a lambança. Primeiro foram os generais que tentaram tornar o presidente uma espécie de rainha da Inglaterra, que representa o poder mas não manda nada. Foram todos demitidos, restando no governo somente aqueles que baixaram a cabeça e obedeceram ao presidente, como os generais Braga Netto, que tem chance de ser o vice na chapa que disputará a reeleição, e Eduardo Pazuello, que foi ministro da Saúde. Depois foi a vez dos governadores eleitos por Bolsonaro, como Doria e Witzel, tentarem dizer ao presidente como deveria administrar o país. Foram chutados para fora do círculo de pessoas ao redor de Bolsonaro. Tiveram o mesmo destino vários deputados federais, senadores e empresários.
A decadência econômica da administração do presidente e por consequente o seu capital político começou dar sinais no final de 2019 e se acentuou com a pandemia causada pela Covid-19 em 2020. Bolsonaro resolver recuperar o seu prestígio desafiando o poder de contágio e letalidade do vírus. Perdeu e beijou a lona do rinque. O que restou do seu prestígio foi detonado pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, CPI da Covid, que em 1,3 mil páginas colocou as digitais da administração Bolsonaro nas mais de 620 mil mortes de brasileiros pelo vírus – há matérias na internet. A cada degrau que o prestígio político do presidente descia aumentava a presença de Ciro Nogueira e seus colegas no governo. Hoje os parlamentares que fazem parte dos vários partidos que compõem o Centrão estão espalhados em postos-chave da administração federal e dominam o chamado Orçamento Secreto, um truque contábil que administra sem dar explicações para ninguém cerca de R$ 16 bilhões, que estão sendo usados em emendas parlamentares. Em troca, eles deram competitividade à candidatura de reeleição do presidente da República. Essa competitividade se mantém enquanto Bolsonaro se comportar dentro do plano traçado pelo ministro Ciro Nogueira.
O comportamento de Bolsonaro nesse acordo de seguir as orientações de Ciro Nogueira dependerá dos números que sairão nas próximas duas pesquisas de intenção de votos para a eleição presidencial. Se ele sentir que tem musculatura política suficiente para seguir em frente com as próprias pernas, manda para o inferno o receituário de comportamento ditado pelo seu ministro da Casa Civil. E volta a ser o que sempre foi: um provocador, ou “boca de conflito”, como diz o jargão das redações para designar pessoas que falam o que bem entendem. Na opinião de pessoa do círculo ao redor do presidente, onde circulam os seus três filhos parlamentares – Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal de São Paulo –, esses eleitores, os chamados bolsonaristas raiz, garantem os votos para ir ao segundo turno. Mas garantem a reeleição dos parlamentares do Centrão? Muitos acreditam que não. E o que importa para o presidente a reeleição dos companheiros de Ciro Nogueira? Nada. Eles são importantes nos dias atuais porque estão colocando o seu prestígio pessoal junto às suas bases para reerguer a candidatura de Bolsonaro. Depois não terão mais utilidade. O que escrevi não é opinião. São fatos que temos publicado sobre a aliança do Centrão com Bolsonaro. É como disse: o acordo é uma panela de pressão fervendo em fogo alto em um fogão industrial. Dias interessantes vêm por aí.