Nos últimos oito anos, o jornalismo profissional quase foi nocauteado pelas toneladas diárias de notícias falsas injetadas nas redes sociais pelas caríssimas e competentes fábricas de fake news a serviço da extrema direita na disputa política. Ainda é cedo para cantar vitória. Mas são claros e consistentes os sinais de que o jornalismo está conseguindo equilibrar o jogo. Uma prova concreta disso é que os “senhores da mentira” estão reagindo. Como explicou minuciosamente, em um artigo no domingo (22), no O Globo, A. G. Sulzberger, presidente da The New York Times Company e editor do principal jornal do grupo, o The New York Times. Com o título “Como a guerra silenciosa contra a liberdade de imprensa pode chegar aos EUA”, o artigo, publicado originalmente no jornal Washington Post, traz o seguinte texto de apoio à manchete: “Líderes estrangeiros, como Viktor Orbán, na Hungria, e Jair Bolsonaro, no Brasil, restringiram impiedosamente o jornalismo. Agora, políticos como Donald Trump podem tentar se inspirar no mesmo manual”. Vamos conversar sobre essa história.
Vamos enfileirar os fatos que mostram como toda essa história nasceu, cresceu e se tornou uma nova ameaça à liberdade de imprensa. Ela nasceu nos Estados Unidos, em 2016, na campanha para a presidência da República entre Trump (republicano), 78 anos, e Hillary Clinton (democrata), 76 anos. Nesta disputa, os jornalistas foram apresentados de vez à máquina de fake news. Um modo de espalhar mentiras desenvolvido nos anos 30 pelo ministro da propaganda Joseph Goebbels (1897-1945), da Alemanha nazista governada por Adolf Hitler. E ressuscitado e aperfeiçoado pelo então assessor de Trump Steve Bannon, 70 anos. Trump venceu e ainda hoje Hillary Clinton tenta explicar as mentiras a seu respeito injetadas na opinião pública americana pela turma de Bannon, que atualmente cumpre pena por não ter colaborado com o Congresso na investigação da invasão do Capitólio por simpatizantes de Trump, em 6 de janeiro de 2021. Trump assumiu e governou (2017-2021) pregando o fim do jornalismo profissional e chamando os meios de comunicação de “imprensa lixo”. O governo Trump teve muitos problemas, com destaque para o negacionismo dele em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid – matérias na internet. Tentou a reeleição e foi derrotado por Joe Biden (democrata), 81 anos. Não aceitou a derrota e incentivou seus seguidores a invadirem o Capitólio para impedir a homologação da vitória de Biden. A invasão resultou em cinco mortes, dezenas de feridos e centenas de presos. O artigo de Sulzberger lembra que o ex-presidente americano culpa a imprensa pela sua derrota para Biden. E promete revanche caso seja eleito em novembro, quando concorre nas eleições presidenciais com a vice-presidente de Biden, Kamala Harris, 59 anos. Há um empate técnico nas pesquisas eleitorais entre os dois.
A máquina de fake news montada por Bannon foi copiada e aperfeiçoada por Bolsonaro (PL), 69 anos, na campanha eleitoral para a Presidência da República em 2018. Inclusive, criou e alimentou o surgimento de uma imprensa a serviço da extrema direita. A exemplo de Trump, o então presidente brasileiro defendeu o seu negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid – matérias na internet. Também criou uma “máquina de esculachar jornalistas”. Nas eleições de 2022, tentou ser reeleito concorrendo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 78 anos. Perdeu e, em 8 de janeiro de 2023, tentou dar um golpe de estado incentivando os seus seguidores a invadirem e destruírem tudo que encontrassem pela frente nos prédios do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso, em Brasília (DF). O resultado da invasão e destruição de bens públicos foram 1,2 mil presos processados e dezenas, condenados. Como disse no início da nossa conversa. O jornalismo profissional está conseguindo equilibrar a disputa com a máquina de fake news da extrema direita. Como isso aconteceu? Em primeiro lugar, os grandes jornais montaram editorias de verificação da autenticidade dos fatos. Em todos os cantos do país surgiram agências de verificação, uma delas citada no artigo de Sulzberger, a Lupa. Também houve o renascimento do velho e bom jornalismo investigativo em muitas redações.
O resultado do aperfeiçoamento da apuração jornalística nas redações e o surgimento das agências de verificação é que os fatos são esclarecidos de maneira rápida e com riquezas de detalhes, como diziam os editores na época das barulhentas máquinas de escrever nas redações. Vou citar o mais recente. No último dia 15/9, durante um debate entre os candidatos a prefeito de São Paulo, a maior, mais populosa e mais rica cidade da América do Sul, um dos candidatos, o apresentador de TV José Luiz Datena (PSDB), 67 anos, deu uma cadeirada no seu adversário Pablo Marçal (PRTB), 37 anos, um ex-coach. Marçal está tecnicamente empatado nas pesquisas de intenção de votos com outros dois candidatos, Guilherme Boulos (PSOL), 42 anos, e Ricardo Nunes (MDB), 56 anos, que concorre à reeleição. Ele provocou Datena, que caiu na armadilha e perdeu a cabeça, segundo suas próprias palavras. Marçal tentou faturar em cima do episódio, e o tiro saiu pela culatra. Perdeu pontos nas pesquisas. Mas não comprometeu a competitividade da sua candidatura. Em outros tempos, a abundância de fake news que circulou sobre a cadeirada garantiria o seu “papel de vítima” e, em consequência, votos. O volume de informação divulgado pela imprensa sobre o fato deu o tamanho exato do que aconteceu. O artigo de Sulzberger é uma leitura importante para os jornalistas e muito esclarecedora para quem não é do ramo, mas tem preocupação pela preservação da democracia. A luta entre as fake news e o jornalismo está muito longe de terminar. É uma luta que vale a pena ser lutada.