Aqui e ali, nos conteúdos dos noticiários a respeito do rompimento da barragem de rejeitos de minérios da Vale em Brumadinho (MG), surgem os rastros do rumo que a investigação do caso está tendo pelo Ministério Público de Minas Gerais. Fica bem claro que os investigadores estão seguindo a cadeia de comando dentro da empresa. Logo depois da tragédia, no dia 25 de janeiro, o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, afirmou que havia um laudo garantindo que a segurança da barragem, que, ao romper, matou 179 pessoas, e outras 131 estão desaparecidas, destruiu casas e plantações, matou animais e causou danos ao meio ambiente. O primeiro passo dos investigadores foi ir atrás de quem assinou o laudo e dos funcionários da Vale que trataram com esse pessoal. Na ocasião, foram presos os engenheiros André Yassuda e Makoto Mamba, da empresa contratada para fazer o laudo, a consultoria Tuv Sud. Com os dois engenheiros, foram presos os funcionários da Vale Cesar Augusto Paulino Grandchamp (geólogo), Ricardo de Olveira, gerente de Meio Ambiente, e Rodrigo Artur Gomes de Melo (engenheiro de minas).
Na conversa com esse grupo de pessoas presas, os investigadores aprenderam como a cadeia de comando funciona na empresa. Os presos foram colocados em liberdade provisória graças a um habeas corpus. Antes de seguir contando a história. Eu trabalho com investigação jornalística há uns 20 e poucos anos. E tanto a investigação jornalística quanto a policial, trilhando caminhos diferentes, tem como objetivo, no seu final, apontar o dedo em direção a alguém e acusá-lo de culpado. E, para isso, é fundamental que se descubra como o fato aconteceu. Dentro de uma empresa, ou em um órgão governamental, é preciso saber “quem autorizou”. Em 2013, eu fiz parte da equipe de repórteres que trabalhou no caso do incêndio da Boate Kiss, que matou 242 jovens e feriu mais de 600 em Santa Maria (RS).
Eu levei mais de duas semanas, dentro da Prefeitura Municipal, para entender quem dava ordem para quem. Nos bombeiros, por ser uma organização militar, foi mais fácil descobrir a cadeia de comando. Os investigadores da Polícia Civil também tiveram dificuldades no início da apuração para entender a cadeia de comando – e isso que eles têm ao seu dispor todo um aparato legal, como a quebra de sigilos bancários e telefônicos para trabalhar. O inquérito policial da Kiss foi bem feito. O caso não avança nos tribunais graças ao êxito da tática dos advogados de defesa dos quatro suspeitos de usar a lei para atrasar o andamento do processo. Voltamos ao caso da barragem.
O conhecimento do funcionamento da cadeia de comando dentro da Vale, adquirido pelos investigadores, forneceu informações que levaram ao pedido da prisão de outros oito funcionários da empresa, que ainda estão presos – lista está publicada na internet. Pelas informações que foram divulgadas nos noticiários, era do conhecimento de quem dá as ordens o risco real que existia de a barragem se romper. Um tipo de informação desse calibre não é escrita. Ela é falada ao pé do ouvido – jargão usado nas redações para definir conversas confidenciais. Como é que os investigadores da tragédia da barragem estão seguindo essa informação? Simples. Hoje as pessoas falam pelo WhatsApp ou por outros aplicativos. Portanto, deixam as coisas registradas. Logo, é o seguinte: alguém nesse grupo de oito pessoas presas sabe quem é a pessoa na cadeia de comando acima dela que autorizou que o risco fosse corrido. A investigação sobre o episódio está na sua fase mais delicada e tensa. Em seu favor, os investigadores têm o clamor público da dor dos familiares das pessoas mortas e desaparecidas. Se tudo correr bem com o que resta da investigação, e, no final, as provas apontarem para o responsável, qual será o seu posto na cadeia de comando da empresa?