Existem muitos motivos para explicar o fantástico crescimento de 233,33% no número de assassinatos de mulheres no primeiro mês de 2020 comparado com janeiro de 2019. Mas um motivo em particular incentiva este tipo de crime, cujo nome técnico é feminicídio: a impunidade que ocorre quando a polícia não consegue provas que levem ao assassino, porque o corpo da vítima não é encontrado. Incluem-se nessa condição os casos de três mulheres desaparecidas no Rio Grande do Sul, sendo que uma delas estava grávida de sete meses e outra acompanhada pelo filho de sete anos. Os suspeitos, segundo a polícia, em um dos casos é o ex-marido e nos outros dois, os amantes. Todos foram investigados, e dois foram indiciados, sendo que um ficou 50 dias preso. Mas se safaram porque a polícia não conseguiu reunir provas para incriminá-los.
As desaparecidas, procuradas vivas ou mortas, são: Porto Alegre, 2005, a comerciante Sirlene de Freitas Moraes, 42 anos, acompanhada pelo seu filho Gabriel, sete. Três Passos, 2011, Cintia Luana Ribeiro Moraes, 14 anos, grávida de sete meses. Pelotas, 2015, Cláudia Hartleben, 47 anos, professora do curso de biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A Polícia Civil não tem estrutura para resolver casos que exigem uma longa investigação. Então, eles só são resolvidos ao acaso. Como aconteceu com a contadora Sandra Mara Trentin, 48 anos, de Palmeira das Missões. Desapareceu em janeiro de 2018 e a polícia prendeu como suspeito o seu marido, Paulo Landfeldt. Ele foi acusado de ter contratado Ismael Bonetto para praticar o crime. Como o corpo não foi encontrado, Landfeldt conseguiu um habeas corpus e foi liberado. Um ano depois, em 2019, um agricultor encontrou ao acaso um corpo enterrado em uma cova rasa ao lado da BR-153, no trecho Palmeira e Panambi. A autópsia contou uma história para a polícia, e incriminou Landfeldt e Bonetto. Os dois estão presos aguardando julgamento.
Nas minhas andanças como repórter investigativo, eu aprendi uma coisa: a presença do Estado, mesmo que seja mínima, demonstra para o matador que a busca pela prova continua. E para os familiares, que o Estado não os abandonou. Os policiais antigos chamam isso de “efeito pedagógico”, um recado para o matador, de que a polícia permanece atrás dele. Tenho defendido a necessidade da Polícia Civil montar uma estrutura mínima para continuar a investigação desses casos. Fiz isso no post “Procurados vivos ou mortos”, em setembro de 2018, e em “A imprensa não está nem aí para o desaparecimento da professora de Pelotas”, em novembro de 2019. Por quê? Sou um velho repórter estradeiro, 69 anos, 40 de profissão e 30 e poucos nas redações. Sempre trabalhei em investigação jornalística e matérias de conflitos sociais. O inferno que as famílias dos desaparecidos vivem por não saber o que aconteceu vez ou outra povoa os meus pensamentos. O vice-governador e titular da Secretária de Segurança Pública (SSP), delegado Ranolfo Vieira Júnior, é um profundo conhecedor do problema. O atual governador do Estado, Eduardo Leite (PSDB), era prefeito de Pelotas quando a professora Cláudia desapareceu.
Os meus colegas repórteres, que estão nas redações, também são conhecedores do assunto. Um aviso a estes meus colegas: quando vocês saírem da redação, esse tipo de caso não fica aí em uma gaveta, ele te acompanha. A estatística que citei no começo da conversa é da SSP – há várias matérias na internet sobre o assunto. Na segunda-feira (10/02), o governo disponibilizou as estatísticas dos crimes. A maioria baixou na comparação do primeiro mês de 2020 com janeiro de 2019, principalmente os chamados crimes importantes, tipo: homicídios, -36,68%; ataque a bancos, -50%; e roubo de veículos, -26,32%. O Rio Grande do Sul possui uma das melhores redes de proteção às mulheres do Brasil. Mas não tem conseguido impedir o aumento dos casos de feminicídio, um crime que geralmente tem os filhos como testemunha. Como repórter, já estive na cena de vários desses crimes. É algo que nunca mais se esquece.