Acima da disputa eleitoral dos candidatos nas eleições de 2018, vai acontecer um enfrentamento entre uma onda moralizadora da atividade política, espalhada pela Operação Lava Jato, contra uma velha instituição nacional: o voto de cabresto. Se a Lava Jato vencer, vamos ver um novo perfil de político no país. Se o cabresto for o ganhador, ficamos com o atual perfil político, com grande chance de piorar mais.
Antes de seguir com a história, vamos dar uma parada para colocar as coisas no lugar. Repórteres velhos e rodados, como eu, sabem o que é o voto de cabresto e como ele sobreviveu às mudanças políticas e econômicas acontecidas no país nos últimos 150 anos. Vamos compartilhar o conhecimento com os repórteres jovens, principalmente os novatos nas redações. O que é um cabresto é uma informação que está disponível na internet. E a definição do voto de cabresto é aquele em que determina para o eleitor em quem ele deve votar. Ele existe há mais de 150 anos e nasceu na época em que a economia do país era rural, e o poder econômico estava nas mãos dos grandes proprietários de terras, conhecidos como coronéis. O período é retratado de maneira genial pelos escritores Jorge Amado (Gabriela, Cravo e Canela) e Erico Verissimo (O Tempo e o Vento).
A industrialização do Brasil terminou com os coronéis. Mas não com o voto de cabresto. Ele se adaptou às mudanças e sobreviveu. Hoje, ele existe na zona rural e urbana. espalhou-se O relato que vou fazer a seguir é baseado no conhecimento que acumulei nas últimas três décadas, viajando em busca de histórias para escrever de ponta a ponta, de lado a lado do Brasil. Começamos pelos estados do Nordeste, terra dos personagens do Jorge Amado. O que acontece hoje lá pode ser sintetizado pela figura do senador Renan Calheiros (PMDB – AL), que responde a 12 inquéritos policiais. A geração política do Calheiros é sustentada pelo voto de cabresto exercido por prefeitos, vereadores e deputados (federais e estaduais) que usam a máquina pública para trocar o voto por assistência médica e empregos públicos (a maioria, temporários). Conheço as cidades do litoral e do sertão dos estados dos estados do Nordeste, e a estrutura que garante a eleição de Calheiros se reproduz na maioria dos municípios.
Nos oito estados cobertos pela Floresta Amazônica, um exemplo é o senador Romero Jucá (PMDB – RR), que responde a oito inquéritos policiais. A estrutura do voto de cabresto que garante a eleição de Jucá e de vários políticos dos oitos estados é sustentada pelo poder econômico dos compradores ilegais de ouro e diamantes das reservas indígenas. Percorri todo o estado de Roraima em 1993, na época do massacre dos índios yanomani pelos garimpeiros. O garimpo clandestino se estabeleceu nas terras indígenas nos anos 80, quando Jucá foi presidente (1986 a 1987) da Fundação Nacional do Índio (Funai). Na época em que foi governador de Roraima (1988 a 1990), Jucá foi um dos incentivadores da colonização de uma terra dos índios macuxis, que foi identificada em 1993 e hoje é conhecida como Raposa Serra do Sol. Em Rondônia, o voto de cabresto financiando pelo garimpo também é forte. Eu estive na reserva indígena Roosevelt, dos índios cinta larga. Em 2004,os indígenas massacraram 29 garimpeiros. Conversei longamente com o governador da época, Ivo Cassol (PP- RO), sobre a conjuntura política do estado. Hoje, Cassol é senador. Ele e seu colega de Senado Valdir Raupp (PMDB – RO) estão sendo investigados pela Lava Jato.
Outros financiadores do voto de cabresto nos estados da Floresta Amazônica são os madeireiros. Eles ganharam fama internacional em 1985, ano em que foi executado o sindicalista e ecologista Chico Mendes, em Xapuri (AC). Em 1990, eu estive em Xapuri acompanhando o julgamento dos matadores de Chico, os fazendeiros Darci Alves e seu pai, Darli Alves (condenados a 19 anos de cadeia). O processo contra os fazendeiros é um documento sobre a derrubada ilegal da floresta e como é a conjuntura política nas cidades do Acre. Cinco anos depois do julgamento, eu percorri uma boa parte do Acre e tive uma longa conversa com o então governador, Orlei Cameli (1995 a 1999), um típico político do voto de cabresto. Há uma década, eu andei pelo interior do Pará e do Amazonas no rastro das madeireiras asiáticas que exploram ilegalmente a Amazônia. O voto de cabresto facilitava a vida dessas empresas.
Atrás do madeireiro, vem o criador de gado e o plantador de soja. A situação dos dois estados do Pantanal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, são símbolos dessa situação. Em regiões desbravadas nos anos 70, os madeireiros deram as cartas até 1990. Hoje, o voto de cabresto é financiado pelos plantadores de soja e pelos criadores de gado. A influência no voto de cabresto do plantador de soja começa na terra de Erico Veríssimo, de O Tempo e o Vento, Cruz Alta, e seque até as bordas da Floresta Amazônica, no limite do Mato Grosso com o Pará. Nos sete estados do Sul e do Sudeste, onde se localizam os maiores colégios eleitorais, o poder financeiro e industrial do Brasil, o voto de cabresto deverá crescer nas eleições de 2018, por uma fileira de motivos, sendo que o mais importante é ser o lugar onde vive a maioria dos 14 milhões de brasileiros desempregados, gente que perdeu plano de saúde e escola particular dos filhos e está atolada em dívidas. Portanto, vítima fácil nas mãos dos financiadores do voto de cabresto.
Em linhas gerais e, nessa conjuntura política, a onda moralizadora da política espalhada pela Operação Lava Jato e a instituição do voto de cabresto irão disputar a consciência do eleitor. O jargão dos repórteres diria: se fosse uma guerra, a luta seria até o último soldado. Uma partida de futebol até ao apito final do juiz. Mas o que está em disputa é muito mais que isso: é o futuro do país que está em jogo. E a nossa parte é informar com precisão e simplicidade o nosso leitor. A tarefa não será fácil. Já que a maioria dos operadores do voto de cabresto são donos de jornais, sites, rádios e emissoras de televisão nas cidades pequenas, médias e grandes cidades.
E nesse contexto figuras excêntricas ganham destaque; tá aí o Bolsonaro que não me deixa mentir
E o presidente dos EUA.
O voto de cabresto para presidente acho até que já acabou, mas para deputados e vereadores vai continuar por muito tempoindependente da Lava Jato.
Cara o voto de cabresto não acabou. Ele se adaptou a era digital.
Isis, eu vou te dizer uma coisa. A situação que vejo no horizonte é uma desafio para ser entendida. Ela mistura as velhas práticas na política com novas técnicas de sacanagem.
O processo eleitoral é viciado,e incentivador de vícios Mandatários abusam do mandato; legislam em causa própria; locupletam-se;. Tribunais eleitorais fazem vistas grossas…. Que valor moral tem essa eleição?
Por ter focado a minha carreira de repórter na cobertura de conflitos, eu já vi coisas que deus duvidaria que existem. Mas existem.A consolidação da democracia é uma coisa lenta. Lembra que mesmos os Estados Unidos, que tem 200 e tantos anos de democracia, muitas vezes dá uma derrapada. O voto é o mais perfeito modo de escolhe que a raça humana conhece. Mas é um processo. Desculpa a demora em responder ao teu comentário, muito me honra a tua leitura. Abraços
Desculpa a demora de responder. Mas já tinha lido o teu recado e muito me honra a tua leitura. Vou te dar a minha visão de repórter, eu tenho 69 anos e 40 de profissão fazendo a cobertura de conflitos nos sertões brasileiros e crime organizado nas fronteiras. Os processos de controles do Brasil vem se aperfeiçoando ano a ano. Não tem como ser diferente. A história é assim. Vamos chegar lá