Todos os repórteres sabem que, não interessa qual seja o partido, todos os governos mentem para a imprensa, como nos ensinou o jornalista americano I. F. Stone (1907-1989). O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) está exagerando. E para encobrir os seus exageros, ele usa uma série de retaliações econômicas contra as grandes empresas de comunicação e um exército bem treinado e equipado de ativistas nas redes sociais para atacar a reputação de jornalistas e repórteres. A soma disso pode ser traduzida em duas palavras: terrorismo de estado. Isso já aconteceu no Brasil. Durante o Estado Novo instaurado por Getúlio Vargas (1937 a 1946) e pelo Golpe Militar (1964 a 1985). A novidade fica por conta de que é a primeira vez que um presidente da República usa o terrorismo de estado durante um período de plena vigência da democracia. Como é que essa história vai acabar? Duvido que acabe bem, porque o governo é cercado de histórias mal contadas.
Antes de seguir, um parêntese: quem começou com a prática de dar pontapés na canela de jornalistas foi o presidente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump, ídolo de Bolsonaro. Hoje Trump enfrenta uma ação de impeachment na Câmara – há matéria na internet. Ele enviou para a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, uma carta de sete páginas em que, entre outras afirmações, escreveu: “… tentativa de golpe”. Os Estados Unidos são uma democracia de mais de 200 anos. Portanto, a expressão “golpe” não faz parte do vocabulário da vida política deles. “É coisa de sul-americano”, como diz um colega repórter americano. Fica a pergunta: será que Trump se deixou contaminar pelo vocabulário do seu colega brasileiro?
Voltando à história. De um modo geral, Bolsonaro ataca todos os noticiários que contestam o seu governo. Mas ele tem três alvos principais: a Rede Globo, a quem ameaçou publicamente colocar dificuldades na renovação da concessão em 2022 devido à notícia que vinculou o nome dele ao assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL-RJ) – há material na internet; a Folha de S. Paulo, a quem ataca diariamente e inclusive ameaça os anunciantes, uma prática dos tempos da ditadura militar. E o Estadão, a quem chamou de “jornal comunista”. Tenho 69 anos e 40 e poucos de profissão, e nunca pensei que escutaria alguém chamar o Estadão de comunista.
No meio desse tiroteio, os pequenos e médios jornais acabaram levando a pior. Bolsonaro desobrigou as empresas de publicar os seus balanços na imprensa. Essa e outras medidas nesse mesmo campo acabaram levando à falência vários pequenos e médios jornais pelo Brasil afora, principalmente no interior. Lembro aos meus jovens colegas que as divergências entre nós e as pessoas que entrevistamos e os conteúdos que publicamos são resolvidas na Justiça. Já fui processado 18 vezes e vencia a maioria. Sempre que essas questões não são resolvidas pela Justiça, como é o caso de Bolsonaro, que usa o cargo de presidente para retaliar quem não se perfila ao lado da sua verdade, corremos um grave risco de cair no autoritarismo. A história mostra isso. Nas conversas que tenho com jornalistas das redações de rádios e jornais pelo interior do Brasil e nas faculdades de comunicação, eu tenho lembrado que a nossa democracia é jovem, começou em 1985. Ainda estamos construindo o estado de direito. O que temos não é perfeito. Mas temos as liberdades democráticas, principalmente a de imprensa, que nos permite fazer correções de rota e seguir em frente. Há uns meses, eu encontrei um velho amigo que virou governador e trocamos algumas palavras. Ele reclamou dos meus colegas que só falam mal dele. Eu respondi: “Te preocupa com o jornalista que fala bem de ti”. Em 2020, temos eleições municipais, que costumam ser a mais acirrada disputa eleitoral do país. Vai sobrar para todo mundo. Como se diz nas redações: “Vai ser um tiroteio”. Para os jovens repórteres será uma oportunidade de serem temperados no conflito. Para os velhos, uma chance de fazer o sangue circular no corpo. É simples assim.