Até as pedras das ruas do Brasil sabem duas verdades que há muitos anos correm de boca em boca entre o povo. O jogo do bicho é ilegal. Mas as apostas podem ser feitas em qualquer esquina, graças a um sistema de corrupção de autoridades, principalmente de policiais, que os bicheiros montaram. As obras públicas são caras, demoradas e, muitas, malfeitas, porque os empreiteiros superfaturam o serviço para pagar propina aos políticos. A história dos bicheiros é mais antiga e conhecida do que a dos parlamentares. Eu conheço bem por ter feito várias reportagens investigativas sobre o assunto em Zero Hora. A primeira foi no início dos anos 90, “Os senhores do jogo do bicho”, e mostrava quem eram os bicheiros, o território que dominavam e os policiais que corrompiam no Rio Grande do Sul. Os maiores e mais poderosos bicheiros se concentram no eixo Rio/São Paulo, onde financiam o Carnaval, entre outras coisas. No último século, os bicheiros não só sobreviveram como se adaptaram aos novos tempos e, agora, operam jogos de azar virtuais e ganham milhões diariamente. A longevidade é garantida pela corrupção policial e por o jogo do bicho ser considerado contravenção – um delito de menor pena. Muito embora os bicheiros resolvam suas disputas na bala, os jornais têm documentado os confrontos. A legalização seria uma saída para resolver o problema.
O sistema de corrupção de parlamentares operado pelos empreiteiros nunca teve o mesmo glamor que o dos bicheiros. Mas tem a mesma eficiência. Basta dar uma olhada nas informações levantadas pela força-tarefa da Operação Lava Jato. A lista de Janot – procurador-geral da República, Rodrigo Janot –, que pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) autorização para investigar e abrir inquérito contra uma centena de atuais e ex-parlamentares, é uma prova disso. Ontem, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, determinou a abertura dos inquéritos e das investigações. É a primeira vez na história brasileira que as entranhas da corrupção de parlamentares por empreiteiros vem a público com tantos detalhes. Mas uma coisa é certa: como o fato de ser considerado uma contravenção – delito de menor potencial – tem assegurado a longevidade do jogo do bicho, o foro privilegiado, direito que parlamentes e ministros têm de só serem julgados pelo STF, vai assegurando a sobrevivência desse tipo de corrupção. Os julgamentos no STF levam muito mais tempo para acontecer do que na Justiça Federal. Os parlamentares apostam nisso.
Vamos olhar o futuro. Desafio meus colegas repórteres, principalmente os novatos. Mesmo que a força-tarefa consiga desmontar a máquina de corrupção das empreiteiras que corrompe parlamentares. Tudo indica que isso acontecerá. Se parlamentares e ministros continuarem com foro privilegiado, é certo que consigam outra maneira de arrumar dinheiro ilegal. Certa vez, ouvi de um agente da Polícia Federal (PF), em um lugar esquecido por Deus, na fronteira do Brasil com o Paraguai, a seguinte frase:
– Quando a gente descobre um sistema que está sendo usado pelos quadrilheiros para nos enganar, eles inventam outro mais aperfeiçoado.
Quem pode garantir que já não inventaram outro sistema de financiar ilegalmente a eleição?