Examinando os seis primeiros meses do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a conclusão a que se chega é que o grande arsenal de escândalos políticos, econômicos e outros rolos deixados pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) implodiu a reação organizada da bancada bolsonarista raiz do Congresso. Havia uma grande expectativa entre jornalistas, analistas políticos e de mercado de que os parlamentares (99 deputados federais e 14 senadores) eleitos pelo prestígio do ex-presidente fossem fazer uma oposição pesada ao governo Lula. O que se tem visto são ações descoordenadas que muitas vezes beiram o ridículo, como é o caso dos bate-boca dos bolsonaristas com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, nas comissões do Congresso. Não fiz pesquisa. Mas desde que terminou o seu mandato, o ex-presidente pelo menos uma vez por semana frequenta as manchetes dos jornais defendendo-se de acusações, tipo a descoberta, pelos peritos da Polícia Federal (PF), do roteiro de um golpe militar no celular do ex-ajudante de ordens da Presidência da República, tenente-coronel do Exército Mauro Cid – há matérias na internet.
O tenente-coronel está em prisão preventiva em uma unidade do Exército, decretada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Na quinta-feira da semana passada (15), Moraes determinou o cumprimento, pela PF, de um mandado de busca e apreensão no gabinete e na residência do senador Marcos do Val (Podemos-ES). O senador é acusado de estar envolvido na tentativa do golpe conforme o roteiro encontrado no celular de Cid. Moraes determinou que a PF ouça o depoimento do ex-presidente a respeito do assunto. Essa será a quarta vez que Bolsonaro irá depor na Federal – há matéria na internet. Além desse roteiro encontrado no celular de Cid, há uma minuta do golpe, um rascunho de um decreto encontrado em janeiro da casa do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do ex-presidente, o delegado da PF Anderson Torres, que está em liberdade vigiada. O roteiro e a minuta fazem parte da investigação sobre os atos terroristas de 8 de janeiro, quando bolsonaristas radicalizados quebraram tudo que encontraram pela frente nos prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e STF. As imagens dos ataques aos prédios são um grande problema político para o ex-presidente. Ele tenta reverter a situação na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre o 8 de janeiro (CPMI do 8 de janeiro). Na próxima quinta-feira (22/06), o ex-presidente começa a ser julgado pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por ter realizado em julho de 2022 uma reunião com embaixadores de diversos países quando denunciou, sem apresentar provas, que seria vítima de fraude durante as eleições presidenciais. Se for condenado poderá ficar inelegível por oito anos.
Citei os mais recentes rolos envolvendo o ex-presidente e os seus seguidores. Tem muito mais e sempre aparece um novo. Essa realidade imobilizou expoentes dos bolsonarismo raiz, como dois dos filhos parlamentares do ex-presidente: Flávio, senador pelo Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo. Eles estão atuando no Congresso de maneira muito discreta. Assim como a deputada Carla Zambelli (PL-SP), defensora das teses bolsonaristas que ganhou fama no país quando correu pelas ruas de São Paulo com uma arma na mão atrás de um cidadão que a teria ofendido. Também está quieta no seu canto, e que havia prometido fazer muito barulho no Congresso com a sua pauta de costumes, é a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Outro que desapareceu da cena político é ex-vice-presidente da República Hamilton Mourão, que foi eleito senador pelos Republicanos do Rio Grande do Sul. A principal bandeira política de Mourão é combater a esquerda do Brasil. General da reserva do Exército, ele se notabilizou no governo Bolsonaro como “bombeiro” nos conflitos armados pelo então presidente da República. Como senador, é uma pessoa discreta. Ainda mais no atual momento, quando o governo do qual participou está envolvido em uma série de rolos.
A grande preocupação dos parlamentares bolsonaristas raiz nos dias atuais é saber se o seu nome não irá aparecer nas investigações dos atos terroristas de 8 de janeiro. Ou seja, eles estão mais preocupados em ficar fora dos rolos armados pelo ex-presidente do que em organizar uma oposição ao governo. Votam contra os projetos governamentais. Mas não conseguem o apoio dos seus colegas do Centrão, que negociam os seus votos por emendas parlamentares e cargos no governo. Muito embora os parlamentares bolsonaristas raiz somem quase um terço dos deputados, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem demonstrado não se preocupar com isso e sequer os cita durante as entrevistas. Eu, como tantos outros jornalistas, fui obrigado a conhecer com profundidade a carreira do ex-presidente. E uma das conclusões a que se chega é que ele jamais pensou que um dia seria líder um movimento político de extrema direita, como é o bolsonarismo. Uma soma de fatores, entre eles o atentado que sofreu durante a campanha eleitoral de 2018, o elegerem presidente do Brasil. No exercício da Presidência, ele consolidou o bolsonarismo, que sobreviveu à perda do mandado. Mas que está cambaleando diante da enxurrada de escândalos envolvendo o seu governo. Na disputa política não existe nada definitivo. Tudo pode se alterar a qualquer momento. Mas, a persistir o atual quadro, pode acontecer que os parlamentares bolsonaristas raiz passem a seguir Lira como seu líder. É uma hipótese. Apenas uma hipótese.