Há uma questão na área administrativa do governo federal que ainda não está clara para nós repórteres e, consequentemente, estamos explicando de maneira confusa para os nossos leitores. Vamos pegar o exemplo das imensas filas que têm se formado nos bancos e lotéricas pelas pessoas que recebem o benefício de R$ 600 – há uma vastidão de matérias disponíveis na internet. Temos colocado nos nossos conteúdos que a raiz das filas é o fato de o ministro Onyx Lorenzoni, da Cidadania, ter deixado de lado na implantação do programa as prefeituras municipais. Também enfileiramos outra meia dúzia de razões para explicar o absurdo das filas. Portanto, falamos ao nosso leitor que elas resultam da incompetência do governo, que tentou fazer a coisa certa e não conseguiu. Mas e se não foi incompetência, mas uma ação propositada com o objetivo de expor a população ao coronavírus?
Antes de responder a essa pergunta, vamos fazer outra. Por que fazemos esse questionamento? O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defende que a exposição das pessoas ao vírus irá facilitar a imunidade da população, já que os infectados criariam anticorpos contra a doença e, dessa forma, a epidemia acabaria. Na quinta-feira (07/05), o site The Intercept Brasil trouxe uma matéria assinada pelo experiente repórter carioca Sérgio Ramalho com o título “Vídeo: general incentiva surto de coronavírus para ‘imunizar tropa’ em abrigo de refugiados”. Trata-se do general Antonio Manoel de Barros, comandante militar da Operação Acolhida, que atua no estado de Roraima recebendo refugiados da Venezuela. A matéria é muito detalhada e está disponível na internet. Os ingleses já tentaram essa estratégia e deu errado. Acabaram aderindo ao isolamento social, que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e seguido pelos governadores do Brasil. Portanto, no caso da fila dos R$ 600, embora exista uma grande dose de incompetência do ministro Onyx, não podemos simplesmente dizer ao nosso leitor que se trata apenas disso. Temos que alertá-lo que a política do governo federal é justamente essa, de fazer circular as pessoas.
A gestão política do coronavírus é semelhante à do meio ambiente. No ano passado, em agosto, no auge das queimadas na Floresta Amazônica, eu fui consultado por uma colega repórter inglesa que conheci nos anos 1980 em uma disputa agrária no interior da cidade de Cruz Alta. A última vez que conversamos pessoalmente foi em 1990, durante o julgamento dos matadores do sindicalista e ecologista Chico Mendes – assassinado em Xapuri (AC), em 1988, por Darci Alves, a mando do seu pai, o fazendeiro Darly Alves da Silva. Ela queria saber qual era o motivo dos incêndios. Respondi que havia conversado sobre o assunto com madeireiros que conheço na divisa dos estados do Pará e Mato Grosso. Eles me contaram que havia movimentação entre madeireiros e garimpeiros por toda a região porque, durante a campanha eleitoral, Bolsonaro havia defendido o direito deles de entrar em novas áreas. Mandei para ela artigos de cientistas sobre o assunto. O que nós repórteres precisamos começar a deixar bem claro nos nossos conteúdos é que o governo do Brasil defende o fim do isolamento social, a ocupação da selva amazônica por madeireiros e garimpeiros e a flexibilização das leis sobre o posse e o uso de armas. O presidente sempre falou sobre esses assuntos abertamente. Nunca escondeu. Todos os que discordaram dele, como os ex-ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, saíram do governo. Além de dezenas de outros funcionários de nível médio.
Arrematando a nossa conversa, eu quero refletir com os meus jovens colegas que trabalham nas redações cumprindo um monte de matérias por dia e não têm tempo para fazer uma apuração mais detalhada dos assuntos. O círculo íntimo de pessoas que rodeiam o presidente tem compromisso com o projeto político da família Bolsonaro. E o perfil desse pessoal é formado por gente que acredita que a terra é plana, em ciências ocultas, na conspiração comunista chinesa contra o capitalismo e outras crenças que consideramos exóticas. A Constituição garante a todos o direito de acreditar no que bem entender. Desde que não cruze a linha da lei. Portanto, sempre que escrevemos, ou deixamos nas entrelinhas, que algo é incompetência do governo federal, devemos alertar ao nosso leitor que existe a possibilidade de que seja uma determinação para que seja feito exatamente assim. Nunca os brasileiros viveram uma situação como a atual. Daí a necessidade de ficarmos atentos a tudo.