Ser o autor de uma história fantástica e não poder assinar a autoria, é um preço muito alto para os vaidosos. Esse é preço que não foi pago por Joesley Batista, um dos donos da JBS e delator da Operação Lava Jato. O acordo de delação conseguido por ele com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o isentou de todos os crimes cometidos e permitiu que fosse morar nos Estados Unidos, tipo de acerto sonhado por todos os corruptos e os corruptores enrolados com a Lava Jato.
Joesley Batista foi o arquiteto desse invejado acordo. E toda a estratégia usada para conseguir os benefícios da delação foram tratados entre o empresário e o seu executivo Ricardo Saud em uma conversa de quatro horas, recheada de insinuações contra o Poder Judiciário, palavrões e zombarias. A conversa foi gravada, e a gravação foi entregue para Janot, na versão oficial da JBS, de maneira acidental. Na versão de bastidores, o grupo político do presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP), que quase perdeu o cargo por causa da delação do empresário, tem uma cópia da conversa e a faria circular após o dia 17, data em que Janot será substituído no cargo pela sua colega Raquel Dodge. Joesley Batista classificou o conteúdo da gravação como “uma conversa de bêbados”. Resultado: o empresário e Saud foram presos temporariamente, e os benefícios concedidos estão sendo revistos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Como se diz na gíria das redações: Joesley Batista podia ter dormido sem essa. Eu escutei a conversa, que está disponível na internet. A pergunta que se faz: como alguém grava uma conversa dessas? Há muitas teses a respeito, uma delas é que era para ser usada como uma futura barganha, em caso de necessidade. A ideia inicial pode até ter sido essa. Mas os dois perderam o controle, não seguiram o roteiro e acabaram falando demais. Já na deleção premiada, o empresário falou, sem meias palavras, dando risada de quando estava sentado em casa e viu pela televisão os deputados que havia comprado votarem pelo impeachment da presidente da República Dilma Rousseff (PT – RS), que foi substituída pelo seu vice, Temer.
Não interessa qual seja o destino da delação do empresário. O fato é que a arquitetura da negociação da maior delação premiada da Lava Jato tem um autor: Joesley Batista. Aqui quero refletir com os meus colegas repórteres, principalmente os novatos. Existem dois tipos de entrevistados: os que querem aparecer no jornal, pessoas fáceis de lidar; e aqueles que estão envolvidos em histórias cabeludas, que não querem aparecer. Eu consegui me destacar na profissão convencendo esse tipo de entrevistado a falar. Não é fácil. Mas, ao longo dos 40 anos de profissão, eu aprendi uma coisa: se o repórter conseguir tocar na vaidade do entrevistado, ele fala. O perfil de Joesley Batista não é o de uma pessoa que goste de guardar segredos. É o tipo de pessoa que se orgulha do que faz. Ele gosta de saber e contar para todo mundo o que o seu dinheiro – desviado dos empréstimos públicos – mantém no cabresto homens do quilate do senador Aécio Neves (PSDB – MG) e até o próprio Temer, que lidera um grupo político de pessoas poderosas, articuladas e conspiradoras. Os benefícios conseguidos por ele na sua delação mostram que conseguiu passar a perna em todos eles.
O perfil do empresário é semelhante ao de um serial killer – matador em série – que deixa pistas para ser preso e receber os créditos pelo que fez. Há vastos estudos que mostram que esse tipo de matador gosta de estabelecer uma competição com outros colegas. Joesley Batista está competindo com o seu colega empresário, Marcelo Oldebrecht, que cumpre pena condenado pelo juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, na Região Metropolitana de Curitiba (PR). Na sua delação, Marcelo Odebrecht, detonou a Câmara e o Senado. Joesley Batista disse que seria a “tampa do caixão ” do Executivo.
O problema do repórter com Joesley Batista é conseguir sentar-se na frente dele, porque pessoas como ele são protegidas por um grupo bem articulado de executivos. Mais ainda: ele gosta de ser desafiadas. Bem, ele acaba de conseguir o maior desafio da vida dele: ficar fora da cadeia e preservar o seu milionário patrimônio. Talvez um dia ele escreva um livro sobre tudo o que aconteceu e ainda não veio a público. O certo é que não levará segredos para o caixão.