Gabinete do Ódio usa táticas da “guerra suja” contra os adversários de Bolsonaro

A fake news substitui os tanques e os soldados na “guerra suja” contra os adversários políticos. Foto: Reprodução.

A eficiência demonstrada pelo Gabinete do Ódio, como é chamado o círculo íntimo do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), em isolar e depois desativar os seus adversários políticos, como aconteceu com os ex-ministros Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, e o médico Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, deve-se à união de uma técnica de batalha antiga, que entrou para a história com o nome de “guerra suja”, com uma máquina de comunicação que usa as redes sociais para disparar fake news. Montada inicialmente como um instrumento de propaganda política para vender a candidatura de Bolsonaro, 65 anos, à Presidência da República, ela não foi desativada com a vitória do candidato. Ao contrário, foi aperfeiçoada e transformou-se em um eficiente instrumento de distorcer a verdade, operado por três dos filhos do presidente: Carlos, 37 anos, vereador no Rio de Janeiro, Flávio, 38, senador pelo Rio, e Eduardo, 35, deputado federal por São Paulo. Ela é usada contra quem se atravessar no caminho da consolidação política da família Bolsonaro.

Como se dizia no tempo em que as redações dos jornais eram inundadas pelo som estridente das máquinas de escrever e pelo ar pesado da fumaça dos cigarros: o que escrevi no primeiro parágrafo é o pano de fundo da nossa conversa. No auge das máquinas de escrever, décadas de 60 e 70, quando um jovem e inexperiente repórter entregava a matéria para o editor, este, sem levantar os olhos da lauda, como era chamada a folha de papel em que se escrevia o texto, perguntava: “Cadê o fato?”. Portanto, vamos aos fatos. Durante as ditaduras militares que assolaram os países do Cone Sul – Argentina (1976 a 1983), Brasil (1964 a 1985), Chile (1973 a 1990), Paraguai (1954 a 1989) e Uruguai (1973 a 1985) – popularizou-se entre os jornalistas o uso da expressão “guerra suja”. Era usada para descrever a maneira como os agentes das ditaduras se livravam das pessoas que consideravam inimigos do regime: políticos de oposição, jornalistas, estudantes e todos aqueles que consideravam uma ameaça à consolidação do seu projeto político. Por exemplo, os argentinos prendiam, torturavam e depois levavam o prisioneiro em um avião até alto-mar e o jogava lá de cima. Os chilenos colocaram os seus opositores dentro de um estádio de futebol e fuzilaram vários. Os brasileiros prendiam, torturavam, matavam e sumiam com o corpo. Há vários livros sobre o assunto, um deles é Garras do Condor, do repórter gaúcho Nilson Mariano, que trata de um acordo existente entre os cinco países para prender os procurados pelos regimes.

O Gabinete do Ódio não manda sequestrar, torturar e matar os seus adversários políticos. Isso é coisa do passado. Hoje a arma é a fake news, que espalhada pelas redes sociais destrói o seu alvo. Aqui, quero refletir com os meus jovens colegas repórteres que trabalham na correria diária para produzir conteúdos para o noticiário. Pergunto: o que iguala as técnicas usadas nos dias de hoje pelo Gabinete do Ódio com a ação dos ferozes agentes da repressão dos tempos das ditaduras militares? A resposta é simples e se resume a uma única palavra: “ilegalidade”. Foram ilegais as prisões, torturas e mortes dos opositores do regime militar pelas agências de repressão, tipo o extinto Departamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). Como são ilegais as fake news distribuídas de maneira estratégica para destruir os adversários da família Bolsonaro. As duas ilegalidades têm um objetivo comum: imobilizar e destruir o opositor. A primeira vítima da máquina de fake news operada pelos filhos de Bolsonaro foi o companheiro de chapa do seu pai, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República. No início do governo, enquanto Bolsonaro atirava pedra na grande imprensa, Mourão dava entrevistas e acabou caindo nas graças dos jornalistas. Não fechou dois meses de governo e se espalhou pelas redes sociais a fake news de que o vice planejava fazer sombra para Bolsonaro. Mourão se calou e se recolheu aos bastidores do governo. Outro caso é o do general Santos Cruz – currículo enorme disponível na internet. Em 2019, ele era ministro da Secretaria de Governo. Foi demitido porque foi atribuído a ele mensagens nas redes sociais chamando Bolsonaro de imbecil e classificando um dos filhos como desequilibrado. Ele negou que tivesse feito a postagem, uma investigação da Polícia Federal (PF) concluída em 2020 concluiu que as mensagens eram falsas.

O cala boca em Mourão e a demissão de Santos Cruz e de outros militares serviram para Bolsonaro mostrar o seguinte: os generais mandam dentro do quartel. No governo, manda ele, capitão da reserva. A função dos generais de Bolsonaro e dos outros militares que ocupam cargos no governo é fortalecer no imaginário popular que o governo representa as Forças Armadas. No caso dos ex-ministros Mandetta e Moro, antes de serem demitidos, as fake news consolidaram nas redes sociais a imagem de que os ministros agiam por conta própria e tinham interesses em disputar o cargo de presidente nas eleições de 2022. Tanto Mandetta quanto Moro são profissionais altamente qualificados em suas áreas e as aspirações políticas fazem parte do jogo. Eles foram demitidos pelo mesmo motivo que colocou no seu lugar os generais e outros militares que fazem parte do governo: para reforçar a imagem de quem manda é Bolsonaro. No lugar de Mandetta foi colocado o médico Nelson Teich, dono de um respeitável currículo e enorme desconhecimento de como funciona o serviço público federal. O seu segundo é o general Eduardo Pazuello, que na realidade é o braço de Bolsonaro dentro do Ministério da Saúde.

No lugar no Moro assumiu André Mendonça, dono de uma longa carreira no serviço público e de grande conhecimento jurídico. Mas não do principal atributo para ocupar o cargo: ligações com a Polícia Federal, que é o principal esteio do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O cargo de diretor-geral da PF era exercido pelo delegado Maurício Valeixo, que trabalhou com Moro na Operação Lava Jato. Foi substituído pelo seu colega Alexandre Ramagem, amigo dos filhos do presidente, cuja nomeação encontra-se suspensa por liminar do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Na tarde de ontem (29/04), Bolsonaro desistiu na nomeação do Ramagem e não fez uma nova indicação. Através de fake news, o Gabinete do Ódio conseguiu robustecer o poder do presidente Bolsonaro. Falta apenas uma área do governo ficar sob o controle do presidente: o Ministério da Economia. Na semana passada foi plantado na grande imprensa que o próximo a ser demitido seria o ministro da Economia, o professor Paulo Guedes. Na segunda-feira (27/04), Bolsonaro deu uma entrevista ao lado de Guedes dizendo que ele estava prestigiado e que era o homem que dava o norte para a área econômica do país. Guedes respondeu prometendo uma arrancada vigorosa da economia logo após a crise do coronavírus. Bolsonaro gosta de futebol. E logo que ele falou lembrei que os cartolas dos times sempre prestigiam seu técnico antes de demiti-lo. Tudo o que escrevi não é opinião, muito menos uma teoria. São fatos que publicamos e alguns que deixamos de lado por considerá-los sem importância na ocasião em que foram ditos. A eficiência das fake news como arma na luta política vai durar enquanto os tribunais forem tolerantes com as mentiras espalhadas nas redes. Elas são a guerra suja da era da internet.

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