Há uma pergunta sendo feita com insistência por leitores e colegas que trabalham no dia a dia das redações. Trata-se do seguinte. Os líderes que faziam parte do círculo íntimo do então presidente da República Jair Bolsonaro (PL) sabiam dos rolos que estavam acontecendo dentro do gabinete presidencial? Em especial dos dois que atualmente frequentam diariamente as primeiras páginas dos jornais: o escandaloso caso das joias, que tem como personagem o ex-ajudante de ordens do presidente, o tenente-coronel Mauro Cid. E a tentativa de fraudar as eleições presidenciais de 2022 envolvendo o hacker de Araraquara (SP) Walter Delgatti, o Vermelho, e a deputada Carla Zambelli (PL-SP). Os casos estão sendo investigados pela Polícia Federal (PF) e pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do 8 de Janeiro (CPMI 08/01). Hoje a imprensa está se alimentando das migalhas de informações que as duas investigações deixam circular. Por seus meios próprios, ela pode avançar na investigação. É sobre isso que vamos conversar.
Antes uma explicação que julgo necessária em nome do velho e bom jornalismo. Chamo de círculo íntimo de líderes de Bolsonaro um grupo de pessoas composto por militares (ativa, reserva e reformados), empresários, advogados, jornalistas e pensadores da extrema direita que orbitavam ao redor do presidente da República. Também não expliquei os detalhes dos casos das joias e do hacker de Araraquara por haver uma abundância de informações disponíveis nos noticiários e na internet. Vamos aos fatos. Na teoria, a pessoa mais próxima do presidente era o seu vice, o general da reserva Hamilton Mourão, que se elegeu senador pelo Rio Grande do Sul. Vasculhei o que temos publicado em busca de algum pronunciamento de Mourão a respeito dos casos das joias e do hacker de Araraquara. Não encontrei nada significativo. Apenas muitas matérias falando que havia uma bronca entre o presidente e o seu vice e que por conta desse desentendimento ele foi banido do círculo íntimo de Bolsonaro. Mourão ficou na dele. Admitiu que se sentia culpado por não ter conseguido frear o desmatamento da Floresta Amazônica quando era coordenador do Conselho Nacional da Amazônia Legal. Usou com inteligência o prestígio político do ex-presidente e se elegeu senador. Mas é interessante que seja entrevistado a respeito desses dois casos. O senador é uma pessoa reservada. Mas não é um alienado a respeito do que acontece ao seu redor. Outro líder do círculo íntimo do ex-presidente é o general da reserva Braga Neto. Ele foi ministro-chefe da Casa Civil, assessor especial do gabinete do presidente e concorreu a vice na chapa de reeleição de Bolsonaro. De todos os generais e militares de outras patentes que trabalharam no antigo governo, Braga Netto é o mais atento de todos. Por ter sido interventor militar no Rio de Janeiro em 2018 e ter trabalhado no serviço de inteligência do Exército. Lendo o que se publicou a respeito da relação dele com Bolsonaro, a impressão que fica é que tinha conhecimento das teses malucas que circulavam no governo. Mas não deixou registrada a sua posição. Talvez um dia ele resolva escrever um livro ou falar para a imprensa sobre o que rolava entre as quatro paredes do Palácio do Planalto. O que sabem sobre esses dois casos os filhos parlamentares do ex-presidente, Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo? Têm se pronunciado defendendo a inocência do pai. Não poderia ser diferente.
Lembro que, no último ano de governo, Carlos, que cuidava das redes sociais do ex-presidente, anunciou que estava se afastado da função. A história da saída dele ficou perdida no meio da avalanche de acontecimentos produzidos pelo governo. Ele sempre foi o filho mais ligado aos acontecimentos ao redor do pai. Evidentemente, a chance de falar sobre o tenente-coronel Cid são mínimas. Mas se tem alguém que pertencia ao círculo íntimo do ex-presidente e que sabe muito do que acontecia entre as quatro paredes é Carlos. Talvez um dia resolva deixar registrada em algum lugar a versão dele. Claro, o foco da cobertura da imprensa são as descobertas da investigação policial e da CPMI de 8 de janeiro. Não podia ser diferente. Mas nada impede que os repórteres vasculhem os arredores desses acontecimentos. O que chamo de arredores? Aquelas pessoas invisíveis, como os garçons que servem a água e o cafezinho nas reuniões, os faxineiros que limpam as salas depois das reuniões, os motoristas. Incluam nessa lista os responsáveis pelas câmeras de segurança do Planalto. Essas pessoas podem ajudar a contar um ângulo diferente dessa história. Encontrar essas pessoas não é difícil, porque a maioria trabalha para empresas terceirizadas que prestam esses serviços. E há ainda aqueles que são funcionários de carreira do governo. O difícil é convencê-los a falar. Um dos argumentos que temos a nosso favor é que não precisamos revelar a fonte. Os repórteres e comentaristas envolvidos na cobertura do pantanal em que se meteu o ex-presidente precisam dar uma conversada com os colegas que fazem as matérias dos casos policiais, antigamente conhecidos como “repórteres de polícia”. Esse pessoal tem o caminho da roça sobre como se reconstitui um crime. Por que faço tal recomendação? O caso do ex-presidente migrou da política para a polícia. Em 30 de julho fiz o post Bolsonaro saiu das páginas da história política do Brasil para a policial.
As histórias policiais costumam ter um grande número de leitores. Imagino como deve estar sendo a rotina de trabalho dos agentes da PF envolvidos nas investigações. Nessas ocasiões, férias são canceladas e a turma trabalha 24 horas. Principalmente o pessoal envolvido nas campanas – a atividade de vigiar alguém sem ser visto. Existem diferenças entre a investigação policial e a jornalística. O policial é beneficiado por uma série de leis que lhe dão acesso a informações pessoais do investigado. A jornalística tem acesso garantido por lei apenas a informações públicas. Há em comum entre as duas maneiras de investigar a campana. Passei muitas horas fazendo campana. Antigamente era mais fácil, porque o repórter estava acompanhado do fotógrafo. Portanto, tinha com quem conversar. Nos dias atuais é apenas o repórter e o seu celular. Tenho dito que está boa a cobertura da imprensa sobre os rolos de Bolsonaro. Mas podemos melhorá-la, procurando informações entre as pessoas que estavam lá quando tudo acontecia. Como dizia um editor dos tempos das barulhentas máquinas de escrever nas redações: “A cerveja é por minha conta para quem me trouxer a manchete”.