O mineiro Walter Souza Braga Netto, 62 anos, não é só mais um general chamado para o governo pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido, RJ). Por conta de ter sido interventor militar do Rio de Janeiro em 2018 e tido que lidar com uma execução que repercutiu ao redor do mundo – o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do seu motorista Anderson Gomes, vítimas de uma tocaia com a marca de milicianos na noite de 14 de março –, o general é o militar que tem o maior conhecimento sobre quem é quem e como funcionam as milícias cariocas, organizações criminosas nascidas a partir do início do século no confronto com os traficantes nas favelas cariocas, e que se tornaram um braço do crime organizado. Na época, o general tinha sob o seu comando a Polícia Civil, a Polícia Militar (PM), o sistema prisional e os bombeiros do Rio de Janeiro, além de acesso a todos os serviços de inteligência da área federal, incluindo Polícia Federal (PF) e Forças Armadas (Exército, Marinha e Força Aérea), que acumulam relatórios das 25 vezes em que foram chamadas para ocupar as favelas, sendo a última em 2018. Tratei do assunto no post “O que o Serviço de Inteligência das Forças Armadas sabe sobre as milícias cariocas?”.
De todos os interventores militares que o Rio de Janeiro teve nos últimos 25 anos, Braga Netto foi o único que sofreu a pressão de um caso de repercussão internacional, a execução da vereadora e do seu motorista. Os atiradores estão presos, faltam os mandantes. Ao contrário das facções criminosas, como o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, com ação em todos os presídios do Brasil, os milicianos são formados por policiais militares e civis da reserva e da ativa. São homens treinados no uso de armas e em técnicas de investigação e que têm acesso aos computadores do Estado do Rio de Janeiro. Isso os torna letais. Eu tratei disso no post “Saiba por que as milícias são o inimigo público número um do Brasil“, em 9 de julho de 2018. O modo como os milicianos cariocas se organizam hoje se espalha pelo Brasil. Em vários estados existem grupos de pistoleiros de aluguel que operam ao estilo do Escritório do Crime do Rio Janeiro, nome dado a um ramo dos milicianos que opera com crimes sob encomenda da polícia. No último dia 13, Bolsonaro informou nas redes sociais que havia convidado o general para assumir a Casa Civil no lugar de Onyx Lorenzoni.
Nós jornalistas concentramos os nossos conteúdos no fato de Braga Netto ser o quarto ministro militar de Bolsonaro. Lá no meio da notícia falamos sobre ele ter sido interventor militar do Rio de Janeiro e concluímos a notícia dizendo que o general seria uma espécie de “gerentão” do governo. Aliás, a história do gerentão foi espalhada pelo governo. Cinco dias antes do comunicado do presidente do convite feito ao general, 09/02 , o miliciano Adriano da Nóbrega morreu em um confronto com a polícia no interior da Bahia. Ele foi capitão do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), famoso pelo filme Tropa de Elite. No 18º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Nóbrega tinha sido colega do então sargento Fabrício Queiroz, que se tornou assessor do então deputado estadual Flávio Bolsonaro (2003), filho do presidente. Oficialmente foi Queiroz quem fez a ligação entre o miliciano e o deputado a quem homenageou quando ele já estava preso. Queiroz também ligou o deputado à “rachadinha” – prática ilegal de exigir dos funcionários do gabinete a devolução de parte do salário. Flávio é senador pelo Rio de Janeiro. No último fim de semana (15/02), o presidente Bolsonaro chutou o balde e disse que a homenagem ao “capitão do Bope” tinha sido feita a seu pedido. E também acusou o governo da Bahia (governador Rui Costa, do PT) de ter executado Nóbrega. A reação dos governadores de 20 estados foi imediata. Ontem (17/02) publicaram uma carta “Em defesa do pacto federativo” em que criticam o presidente pelas suas declarações em favor do miliciano. O presidente conseguiu unir contra ele os governadores que eram a seu favor e os que estavam indecisos. Em parte a carta foi uma resposta dos governadores a pressão que vinham sofrendo do Bolsonaro para baixar o ICMS no preço dos combustíveis. Inclusive os caminhoneiros fizeram um movimento no Porto de Santos reivindicando a retirada do imposto do preço dos combustíveis.
Todos esses fatos que relatei são conhecidos. Aqui vou chamar a atenção do meus colegas jovens repórteres das redações que fazem um monte de pautas por dia e não têm como se contextualizar sobre o que está acontecendo, o que os torna vítimas dos manipulares da verdade. No meio desse rolo há coisas que estão nas entrelinhas. Por exemplo: o presidente não puxou a “bronca” para si só para aliviar a pressão sobre o filho. Mas para mostrar aos seus apoiadores que não os tinha esquecido. Lembramos que as polícias militares do Brasil foram um dos esteios da campanha presidencial. Mais ainda: a maioria dos milicianos não se considera bandidos, mas justiceiros. A carta dos governadores pegou de surpresa o presidente. E são fatos como essa carta que podem tornar as ligações da família Bolsonaro com as milícias um problema para as pretensões políticas futuras do presidente. Dentro desse contexto, qual é o papel de Braga Netto? O general é o homem que sabe tudo sobre os milicianos e foi colocado ao lado do presidente como especialista no assunto. O resto é conversa para boi dormir, como diz o dito popular nos sertões do Brasil.