Não foi dito, escrito ou falado. Mas estava lá nas entrelinhas dos noticiários sobre a reunião do Grupo de Lima que discutiu o caso da Venezuela na semana passada, em Bogotá, na Colômbia. Os americanos esperavam que o Brasil se alinhasse com a defesa da proposta do presidente Donald Trump para o caso que inclui o envio de tropas ao território venezuelano para tirar do poder o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, acusado de ser um ditador e ter ganhado as eleições de modo fraudulento. Em 23 de janeiro, o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, declarou-se presidente da Venezuela e, durante a reunião do Grupo de Lima, defendeu a intervenção militar estrangeira no seu país.
Claro, o imenso poderio militar dos Estados Unidos não precisa da ajuda das Forças Armadas do Brasil ou de qualquer outro país do mundo para guerrear com Maduro. Mas, no tabuleiro político, a aliança com outros países legitima a ação militar. Por ser vizinho, ter a maior economia e ter o mais extenso território na região, o Brasil é importante nesse jogo político. E o seu simples alinhamento com a proposta dos Estados Unidos para a Venezuela significaria a possibilidade de tropas americanas usarem o território brasileiro como base para atacar a Venezuela. E de as tropas americanas serem reforçadas por soldados das Forças Armadas do Brasil. Essa situação seria uma faca no pescoço de Maduro e um estopim de um conflito armado sem precedentes na América do Sul. Os americanos tinham tudo para acreditar que o Brasil se alinharia com eles. Essa crença foi alimentada pelas declarações do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL – RJ), que é admirador da maneira de governar e conduzir os negócios do seu país do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Somam-se a isso as declarações dadas, com insistência, pelo ministro de Relações Exterior do Brasil, Ernesto Araujo, em defesa do alinhamento brasileiro com os interesses americanos.
Antes de seguir contando a história. O repórter precisa conversar com o leitor sobre esse assunto de maneira didática, porque a política internacional sempre foi publicada em um canto nos jornais brasileiros. O Grupo de Lima foi criado em 2017 pelos peruanos para apontar uma solução para o caso da Venezuela e é formado por 18 países. Os americanos participam como convidados e por serem os maiores compradores do petróleo venezuelano. A eleição no ano passado de Bolsonaro, capitão da reserva do Exército e homem identificado com a direita, deu um novo status para o Brasil no grupo. O governo Bolsonaro foi representado nessa reunião pelo seu vice-presidente, o general da reserva Hamilton Mourão.
Mesmo quando Bolsonaro e Araujo derramavam elogios aos Estados Unidos, o general já defendia outra solução para o problema da Venezuela. Só que, na reunião do Grupo de Lima na semana passada, as suas palavras tiveram um maior alcance, devido ao contexto. Na ocasião, o Brasil e os Estados Unidos haviam mandado ajuda humanitária para os venezuelanos. Maduro mandou fechar as fronteiras. Então, grupos de venezuelanos refugiados em território brasileiro, em Pacaraima (RR), e na Colômbia, em Cúcuta, tentaram passar os víveres na marra pelas barreiras formadas pelos militares venezuelanos. Claro, não conseguiram. Houve mortos e feridos no confronto. No Brasil, o Exército se deu por conta, no segundo dia de conflito, que os refugiados estavam usando o território nacional como base para atacar as barreiras venezuelanas. Imediatamente, levantaram uma barreira no território nacional para impedir a ação dos refugiados. Isso acalmou a situação. Isso não aconteceu na Colômbia, e lá os conflitos foram bem mais intensos. Como se descreve uma situação dessas no jargão das redações: o circo estava formado. As mídias ao redor do mundo foram inundadas de notícias sobre os conflitos da Venezuela nas fronteiras com o Brasil e a Colômbia.
Foi nesse contexto que Mourão disse três frases: “O Brasil não servirá de base para tropas americanas”. “Não apoiamos a invasão armada do território venezuelano“.“Agora, o entendimento tem que ser entre os militares dos países“. Dentro desse contexto, essas três frases foram uma rasteira nas intenções dos americanos. No final da reunião, foi decidido aumentar as sanções econômicas e políticas contra o regime de Maduro. Para todos os efeitos, a posição do general é resultado de uma discussão da cúpula do governo Bolsonaro. Aqui é importante que se explique ao nosso leitor como se reflete no seu dia a dia o não alinhamento compulsório da política externa brasileira com a americana. É simples. A cada briga que Trump tem com a China e outros países importantes e grandes consumidores de grãos, carnes (gado, suína e frangos) e outros produtos, eles deixam de comprar esses mercadorias do agricultor americano e compram do brasileiro. A Venezuela é um grande comprador do arroz brasileiro. Para um país como o Brasil, que tem um contingente de mais de 12 milhões de desempregados, é uma boa oportunidade de criar empregos. É simples assim.