Não sei se é o caso da governadora interina de Santa Catarina, Daniela Reinehr, 43 anos. Mas a história dela me lembrou a frase de uma personagem de Mississippi em Chamas, filme de 1989 que trata de um caso verídico, ocorrido em 1964 em uma cidadezinha americana, quando desapareceram três ativistas da luta pelos direitos civis, dois jovens negros e um branco. A personagem era a esposa de um policial racista que havia se envolvido na execução dos jovens pela Ku Klux Klan. Ela disse para o agente do FBI que investigava o caso: “A gente não nasce racista. Nos ensinam a ser racista”. O pai da governadora, o professor de história Altair Reinehr, é negacionista do Holocausto judeu e de outras minorias (6 milhões de pessoas mortas) praticado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. E simpatizante do líder Adolf Hitler. Durante a entrevista coletiva que concedeu ao assumir o governo no lugar do governador Carlos Moisés, que foi afastado do cargo pela Justiça, ela não respondeu à pergunta feita pelo repórter Fábio Bispo, do site The Intercept Brasil, sobre a questão do negacionismo do Holocausto.
Todos esses fatos estão nos noticiários. Vamos conversar sobre o que está nas entrelinhas das notícias. Daniela jamais sonhou que um dia seria governadora de Santa Catarina, mesmo interina. Ela é ex-soldado da Polícia Militar, advogada e produtora rural em Maravilha, pequena cidade agrícola no oeste catarinense próxima à fronteira com a Argentina. Elegeu-se na avalanche de votos puxados pelo então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (sem partido). A situação aponta na direção de uma expressão que usamos nas redações quando alguém se agarra a um cargo: “Ela não vai soltar o osso”. Se houver o impeachment do governador e Daniela assumir o cargo em definitivo, ficará em posição estratégica nas eleições para presidente da República em 2022. Sobre a questão do nazismo do pai é o seguinte: jamais os movimentos nazistas e outros grupos racistas, como a Ku Klux Klan, estiveram tão confortáveis como nos dias atuais. Começou com a eleição do presidente Donald Trump, nos Estados Unidos, que contou com o voto deles. No governo Bolsonaro, os nazistas estão presente em um contingente significativo na administração federal. E têm uma grande influência na ala ideológica, como nós jornalistas chamados um grupo de pessoas ao redor do presidente.
Portanto, é o seguinte: se Daniela chutar o balde com o pai, ela vai ter problemas com a ala ideológica do bolsonarismo. O movimento neonazista é uma realidade nos dias atuais no Brasil, as delegacias de polícia têm vários registros de agressões dos seus militantes contra as minorias. Eles são fortes nos estados do Sul do Brasil, na Argentina (províncias de Mission e Patagónia) e no Paraguai (departamentos do Alto Paraná e Amanbay). Nessas regiões, durante a guerra, muitas famílias enviaram jovens para o exército da Alemanha. Entrevistei várias dessas famílias, no oeste de Santa Catarina, Paraná e no interior do Rio Grande do Sul. Depois da guerra, muitos vieram refazer as suas vidas nessas regiões. No meio deles veio um contingente significativo de nazistas. Durante a guerra, nos anos seguintes e nos dias atuais, os nazistas sempre foram minoria na comunidade alemã. Hoje ganharam visibilidade com as eleições de Trump e Bolsonaro.
Independentemente da simpatia ou não de Daniela pelos nazistas, o fato é que ela é uma seguidora do bolsonarismo, que é formado por vários grupos, como terraplanistas, ocultistas, nazistas, militares e oportunistas de vários calibres. Esse pessoal sempre existiu. Ganharam evidência com a ascensão de Bolsonaro a presidente. A história nos ensina que, nos anos 30, na Alemanha, só foram levar os nazistas a sério quando eles tomaram o poder. Cabe a nós jornalistas estarmos sempre atentos para explicar ao nosso leitor quem são eles, o que fizeram e o que estão fazendo hoje. Não é uma tarefa fácil. Ainda mais em um governo confuso como é o do presidente Bolsonaro, que funciona como uma montanha-russa. É por aí, colegas.