A exemplo dos taxistas de Porto Alegre, os motoristas de aplicativos estão organizando grupos para se defender de assaltantes. E, como aconteceu com alguns dos grupos de taxistas, os de motoristas de aplicativos também estão usando essa organização para livrar-se de passageiros que consideram inoportunos. No sábado da semana passada, eu tive conhecimento de um caso e, por curiosidade, comecei a perguntar e soube da existência de outros episódios. Em um deles, um adolescente bebeu demais e acabou vomitando dentro do veículo do aplicativo. O que foi um incidente de pouca importância por pouco não se transformou em uma tragédia. O motorista acionou seus colegas, que vieram em seu socorro e acabaram agredindo o jovem e jogaram o celular dele fora. Eu conversei com todas as partes envolvidas no episódio e fiz um acordo de não mencionar os seus nome.
Antes de seguir contando a história. Tenho 40 anos de profissão, sendo que durante 35 trabalhei em redação de jornal. Portanto, o que vou relatar, eu fui testemunha de muitos casos e acabei fazendo reportagens. Foi por falta de proteção da Segurança Pública que os taxistas, no início dos anos 90, organizaram-se em grupos para defender-se dos assaltos. Nas duas décadas seguintes, eles aperfeiçoaram essas organizações a ponto de conseguir prender os assaltantes e organizar passeatas, a qualquer hora do dia, da noite ou da madrugada, para protestar quando um deles era morto em assalto. O divisor de águas nessa questão foi uma denúncia feita pelo colunista de Zero Hora (ZH) Paulo Santana. Ele relatou que um passageiro havia sido humilhado e agredido por um grupo de taxistas. No dia seguinte, com as informações dadas pelo Santana, eu fiz uma reportagem detalhando o acontecimento. Santana faleceu em 2017. Mas a coluna dele sobre o acontecimento pode ser encontrada nos arquivos de ZH.
Depois da denúncia do Santana, vários casos começaram a pipocar na redação. Aqui retomo a história que comecei a narrar. Os grupos de motoristas de aplicativos tiveram o mesmo berço dos taxistas: a falta de segurança pública. Basta dar uma vasculhada nos conteúdos dos noticiários da Região Metropolitana de Porto Alegre para encontrar casos de motoristas de aplicativo sendo vítima de assaltos, inclusive sendo mortos. A Constituição garante a todo cidadão o direito de defender-se. Mas não lhe dá o direito de agir como se fosse um policial, um promotor de Justiça, um juiz ou um carcereiro. Os passageiros que eram vítimas de abusos dos taxistas tinham a facilidade de identificá-lo porque o táxi tem um número em uma placa luminosa. E também tem ponto fixo. No caso do veículo de aplicativo, a única identificação é o registro no celular. Aliás, não foi por outro motivo que o grupo que atacou o adolescente bêbado atirou o celular dele fora. Um gesto infantil, porque o registro da chamada fica registrado nas redes. O caso desse adolescente não acabou em uma tragédia porque a “turma do deixa disso” chegou. Mas o alerta foi dado.
Qual é a nossa função de repórter perante os grupos formados pelos motoristas de aplicativos? Primeiro, temos que saber quantos desses eles são. Na questão dos taxistas, foi fácil descobrir, porque eles se organizam por “pontos de táxi”. Os aplicativos não têm ponto, e os veículos não são identificados. Pelas conversas que tive, eu sei que eles se organizam por grupo de WhatsApp, ao estilo dos existem nas famílias. Há mais um detalhe: a existência dos aplicativos trouxe um grande alívio para os pais de adolescentes que, até então, precisavam pegar os seus carros e buscá-los nas festas, nas noites dos finais de semana. Não é por outro motivo que os adolescentes são os grandes usuários dos aplicativos nos finais de semana. Até por proteção dos seus filhos, os pais não vão para as redes reclamar. Mas podem reclamar para nós, repórteres. A Constituição nos assegura o sigilo da fonte. As empresas de aplicativos têm como normal a agilidade de eliminar os motoristas envolvidos em qualquer tipo de irregularidade. Isso facilita o nosso trabalho. E nos torna relevantes para os nossos leitores.