Parecia ser um caso fácil de ser resolvido, mas tornou-se um pesadelo para as famílias envolvidas, sem prazo para terminar. E um exemplo de negligência da imprensa, que incentivou as vistas grossas para o caso da cúpula da segurança pública do governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB-RS). O caso aconteceu no final da noite de 9 de abril de 2015, em Pelotas, a maior cidade da região sul do Rio Grande de Sul, com 340 mil habitantes e uma economia diversificada. A professora Cláudia Hartleben, 47 anos (na época), do curso de Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). chegou, por volta das 20h, à casa de uma amiga, a veterinária Eliza Komminou, 34 anos (na época), para colocar a conversa em dia, como haviam combinado. Conversaram até as 22h e pouco, quando Cláudia pegou o carro e foi para casa, onde a aguardava o seu filho, João Félix Hartleben, 21 anos (época), estudante da engenharia química da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Uma câmara de trânsito registrou a passagem do carro da professora indo no rumo de casa, às 22h48min. O vizinho da professora, o seu irmão que morava na casa da sua mãe Zilá, ouviu o ranger do portão quando ela entrou em casa. Cláudia nunca mais foi vista. A polícia encontrou os seus pertences, incluindo a bolsa, dentro de casa. Ela simplesmente desapareceu. Houve uma parceria na investigação entre o delegado da Polícia Civil Félix Rafanhim e o promotor José Olavo Bueno Passos, do Ministério Público Estadual.
Eram públicas na cidade as desavenças entre a professora e o seu ex-marido, João Morato Fernandes, 57 anos (na época), graduado em Cceanologia (1981), Medicina Veterinária (1992) e mestrado em Zootecnia (2011) com a tese Benzocaína e Óleo de Cravo Como Anestésico para Alevinos de Peixe-Rei. Em 2013, Fernandes foi acusado por Cláudia de violência doméstica e o caso foi registrado na Polícia Civil. No final de 2015, a investigação policial havia rastreado 85 horas de gravação de vídeos das câmaras de segurança da cidade em busca de pistas e feito um retrato falado de um suspeito de ter sequestrado a professora. Depois de toda a investigação, o promotor e o delegado concluíram e indiciaram por homicídio, ocultação de cadáver e feminicídio o ex-marido e o filho. O motivo do crime teria sido vingança, porque Fernandes teria sido prejudicado na partilha dos bens durante o processo de separação. Os dois negaram, e a Justiça não aceitou o indiciamento e a denúncia da promotoria. Em março de 2019, o promotor pediu o arquivamento do inquérito policial.
Até aqui enfileirei fatos conhecidos. Mas que sempre precisam ser lembrados e revisados. Sem o corpo é difícil a polícia e a promotoria obterem provas circunstanciais que convençam a Justiça. São raros os casos. Um deles foi o do goleiro Bruno Fernandes (passagens por Atlético-MG e Flamengo), que em 2010 foi acusado pela morte da atriz Eliza Samudio. Depois de morta, ela foi esquartejada e os seus pedaços dados para cachorros. Com base em provas técnicas e testemunhais, Bruno foi condenado a 22 anos e três meses de prisão. Tecnicamente, o caso da professora Cláudia foi encerrado. E assim permanecerá, a não ser que surjam novas provas. Na prática, ele continua em aberto porque ainda é um assunto do dia entre os moradores da região. Enquanto a professora não aparecer viva ou morta a sua família manterá a esperança de encontrá-la, e sofrerá com isso. Os suspeitos pelo seu desaparecimento, o ex-marido e o filho, continuarão sendo suspeitos até que o caso seja resolvido. Cláudia não é a única procurada viva ou morta pelos familiares e amigos no Rio Grande do Sul. Por exemplo: Cintia Luana Ribeiro Moraes, 14 anos, grávida de sete meses, desapareceu em Três Passos, interior do gaúcho, em 2011. E Sirlene Freitas Moraes, 42 anos, sumiu em 2005 com o seu filho Gabriel, sete anos. Nos dois casos existem suspeitos que estão livres porque não há corpo. E cavando-se mais fundo na história policial gaúcha, se encontram mais casos.
No episódio da professora Cláudia, uma coincidência de fatos, ocorridos em 2018, trouxe esperança a seus familiares e amigos de que o caso fosse remexido pelas autoridades policiais. Foi eleito governador do Estado o ex-prefeito de Pelotas Eduardo Leite (PSDB), tendo como vice Ranolfo Vieira Júnior (PTB), um experiente e competente delegado de polícia. Ranolfo assumiu a Secretaria da Segurança Pública e colocou como chefe de Polícia a delegada Nadine Anflor, que montou uma política forte de prevenção à violência contra a mulher. Mas casos como os da professora Cláudia, da comerciante Sirlene e da adolescente Luana não fazem parte das preocupações da delegada Nadine. Por quê? A imprensa não está nem aí. Nesse tipo de caso, a única esperança que os familiares tinham era contar com a imprensa para chutar as portas das autoridades e lembrá-las dos casos não resolvidos. Não é por outro motivo que os familiares das procuradas mortas ou vivas estão migrando para as redes sociais. Essa migração é um processo contínuo e permanente devido à perda de relevância dos jornais tradicionais. Comecei a minha carreira na circulação. Entre os distribuidores de jornais existem uma coisa chamada “Câncer da Máquina”. Acontecia sempre que por opção editorial o jornal se afastava dos seus leitores e eles começavam a debandar para outras publicações. Uma explicação para quem não é jornalista. “Máquina” aqui se refere à rotativa que roda o jornal papel. A tecnologia mudou. Mas os leitores continuam indo embora quando o jornal se torna irrelevante. É um fato.