História da devastação ambiental ensina a imprensa sobre a tragédia dos gaúchos

Meio ambiente voltou às manchetes pelo rastro de destruição deixado pelas enchentes no Estado Foto: EBC

A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, em particular na Região Metropolitana de Porto Alegre, trouxe de volta para os espaços nobres dos noticiários a questão do meio ambiente no Brasil. O caminho da volta foi desbravado pelo drama dos índios yanomami que vivem em uma área de 9,5 milhões de hectares na fronteira de Roraima com a Venezuela. Nos primeiros meses do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) veio a público o rastro de destruição deixado na região pelos garimpeiros clandestinos financiados por criminosos camuflados de comerciantes, agricultores, parlamentares e facções, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo. O uso de balsas com sugadores de alta potência para remover os leitos dos rios e jatos de água para desmoronar barracos em busca de ouro, bauxita e outros minérios de alto valor nos mercados internacionais trouxe, como consequência, a morte de peixes, a destruição da floresta e a fome e as doenças para as tribos. O símbolo dessa situação são as imagens de homens, mulheres e crianças yanomami reduzidos a pele e ossos.

Essas imagens correram o mundo e se tornaram mais um símbolo da devastação na Floresta Amazônica e dos seus povos originais incentivada pelo governo (2019 a 2022) do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL). Na época, entrou para a história a frase do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante uma reunião ministerial, em abril de 2020: “Vamos aproveitar que a imprensa está preocupada com a Covid e passar a boiada”. Referia-se à flexibilização de leis, decretos e outras medidas judiciais do arcabouço legal que protege a natureza. É fato que a devastação da Floresta Amazônica mexe no clima do mundo inteiro, em particular no Brasil. O que aconteceu lá teve influência nas três enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no curto período de nove meses. Elas foram devastadoras. A última ocorreu no início do mês de maio. Em Porto Alegre, o Lago Guaíba subiu 5,31 metros, causando o colapso do sistema contra enchentes. As águas invadiram o Centro Histórico e vários bairros da cidade. A última vez que uma cheia de tamanha magnitude havia atingido a capital gaúcha fora em 1941, há 83 anos, quando as águas do Guaíba subiram 4,76 metros. O sistema de proteção contra as cheias na capital, construído no início dos anos 70, entrou em colapso porque os governantes da cidade não fizeram a devida manutenção, em especial o atual prefeito, Sebastião Melo (MDB), que foi avisado pelos seus técnicos sobre o que estava para acontecer e não tomou providências – matérias na internet. A bem da verdade, o governo Bolsonaro não começou a destruição da Floresta Amazônica e dos seus povos originais. Ele deu continuidade a um processo que vem de longa data e tem muitos personagens que contribuíram e de outros que tentaram impedir a devastação atual. Vou falar sobre os personagens que conheci durante a minha carreira de repórter.

Vamos começar em 1964, o ano que as Forças Armadas deram um golpe de estado derrubando o governo do presidente João Goulart, o gaúcho Jango, do antigo PTB – há um farto material disponível na internet. Vou pegar um personagem dessa história. Na época, os militares temiam que as regiões escassamente povoadas do território nacional, como a Floresta Amazônica e o Cerrado (savanas), que cobrem as regiões central e norte do país, fossem invadidas por estrangeiros. Vamos falar sobre um personagem dessa história: o general Danilo Venturini (2015), um homem que tinha profundo conhecimento das questões agrárias do Brasil e dos outros países da América do Sul. Tive longas conversas com o general, elas sempre rendiam matérias robustas sobre a reforma agrária. Venturini aproveitou o temor dos seus colegas de farda de uma invasão estrangeira às regiões escassamente povoadas e apostou em projetos de assentamento de agricultores nessas áreas. Nasceram assim as novas fronteiras agrícolas nas regiões Centro-Oeste e Norte, para onde foram levados milhares de colonos, a maioria pobres, de vários cantos do país, principalmente gaúchos e seus descendentes que já tinham a experiência de ter desbravado o oeste de Santa Catarina e do Paraná. Cada família ganhou 200 hectares com a obrigação de derrubar parte do mato e abrir lavouras e pastagem para o gado. Várias empresas particulares se juntaram ao governo federal na colonização das fronteiras agrícolas. Parte dessa migração foi financiada pelo Banco Mundial. A ideia do general Venturi era desmontar a luta pela reforma agrária no Sul do Brasil – há farto material na internet. Os colonos que povoaram as fronteiras agrícolas foram os pioneiros do que chamamos, nos dias atuais, de agronegócio. Eu estava começando na profissão nesse período e percorri muitas vezes aquelas regiões fazendo reportagens. Em 1985, a ditadura militar acabou e houve a redemocratização do país. Com ela, floresceram os movimentos reivindicatórios.

Na época, os movimentos de defesa do meio ambiente se fortaleciam em vários países. Aqui vou falar de dois personagens que eu conheci. Em Porto Alegre, o agrônomo gaúcho José Lutzenberg ensinava a população os primeiros passos para proteger a natureza. No meio da Floresta Amazônica, em Xapuri, pequena cidade no interior do Acre, Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, seringueiro, sindicalista e ambientalista, organizava o chamado “empate”, que consistia em um grupo de pessoas que abraçavam as árvores impedindo que fossem derrubadas para abrir espaço para a criação de gado. Chico Mendes convenceu a direção do Banco Mundial a não financiar mais a derrubada da Floresta Amazônica. Em 22 de dezembro de 1988, ele foi tocaiado e morto na sua casa em Xapuri. Esses dois personagens conseguiram frear o processo de destruição em alta escala dos recursos naturais que vinha acontecendo no Brasil. O conhecimento de todo esse processo que descrevi pode e deve ser aprofundado pelos jovens repórteres que estão envolvidos na cobertura do dia a dia nas redações. Por estarem no centro das mudanças climáticas. No início de maio, publiquei o post Novo normal do clima instala a rotina das tragédias no território gaúcho. Para concluir a nossa conversa vou citar Lutzenberg. Lembro-me de que ele era motivo de risos quando alertava sobre o que vinha por aí se o meio ambiente não fosse respeitado. Uma vez estive no sítio que ele tinha em Pantano Grande, no interior do Rio Grande do Sul. Durante horas e horas de conversa, Lutz, como era conhecido, reclamou dos repórteres que, na maioria das vezes, transformavam os assuntos ambientais em meras notas de pé de página. Nos dias atuais, as tragédias provocadas pelas mudanças climáticas estão nas capas dos jornais ao redor do mundo. Tudo o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, em particular na Região Metropolitana de Porto Alegre, chegou para ficar nas manchetes. É o que, nas redações dos tempos das máquinas de escrever, chamávamos de “ironia da história”.

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