
Nos últimos dias, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 78 anos, adotou dois discursos para explicar o seu recuo no tarifaço das importações. O primeiro é para os seus militantes e os secretários (ministros) e demais funcionários do alto escalão do seu governo. Tem como objetivo reforçar a imagem do presidente como um negociador inflexível e cruel com os países que acusa de sugarem o dinheiro e os empregos dos americanos. O segundo é para o mercado e os bilionários que o apoiaram e que estão tendo milhões de prejuízos com o tarifaço, em especial no caso da China, cujos produtos foram taxados em 145% e revidou tarifando as importações americanas em 125%. No primeiro governo Trump (2017 a 2021), a estratégia dos dois discursos foi usada quando tentou fazer um tarifaço e fracassou. Ele disse ter sido boicotado pelos seus secretários, funcionários federais de carreira e até integrantes do Partido Republicano contrários a sua influência. Para evitar que se repetisse o boicote, Trump só nomeou para o seu segundo governo pessoas de sua estrita confiança que têm cumprido ao pé da letra as suas ordens.
Fato é que Trump recuou no tarifaço. Primeiro, congelou por 90 dias a aplicação das tarifas, deixado fora apenas a China por ter retaliado à taxação. Segundo, na noite de sexta-feira (11/04), decidiu retirar o imposto de 125% para a China e 10% para os outros países sobre as importações de smartphones, chips, computadores e outros eletrônicos. Como a governo chinês vai reagir na questão dos eletrônicos, vamos saber durante a semana. A decisão de Trump beneficiou empresas como a Apple, cujos iPhones fabricados na China e vendidos nos Estados Unidos ficariam três vezes mais caros com as tarifas, e agradou os bilionários que o apoiaram nas eleições, em especial Elon Musk, 53 anos, dono do X e de outras indústrias de alta tecnologia, que ocupa o cargo de coordenador do Departamento de Eficiência Governamental (Doge), criado especialmente para reduzir os gastos e o tamanho da administração federal. Na semana passada, Musk, que é CEO da Tesla, fabricante de carros elétricos fortemente afetada pelas tarifas, chamou de imbecil Peter Navarro, 75 anos, conselheiro sênior do presidente Trump para o comércio e a manufatura. Navarro é o responsável pelo tarifaço – a história toda pode ser encontrada na internet. A pergunta agora é a seguinte. Desta vez, o Partido Republicano, os secretários e outros funcionários de alto escalão não boicotaram Trump. Muito pelo contrário, o apoiaram e estão lutando pelo tarifaço. Claro, com exceção de Musk. Tratei do assunto no post publicado na sexta-feira (11/04) Trump prometeu o tarifaço, os bilionários que o apoiaram não acreditaram? A quem então o presidente irá culpar pelo seu recuo para agradar os mercados e seus apoiadores donos do dinheiro?
Lembramos que o presidente americano se elegeu vendendo para a opinião pública a ideia de que a globalização da economia desindustrializou os Estados Unidos, semeando desemprego e espalhando as fábricas americanas pelo mundo em busca de mão obra mais barata. E que a solução era tarifar as importações, o que obrigaria a volta das indústrias para o país. No primeiro governo Trump, especialistas já batiam na tecla de que o tarifaço não ia dar certo. E no atual governo continuaram batendo na mesma tecla. Entre os diversos motivos que apontam para o eventual fracasso vou citar dois que considero os mais importantes. O primeiro é que existe o consenso, inclusive entre importantes apoiadores de Trump, de que a volta das fábricas para o território americano não significará a criação do mesmo número de empregos que havia antes, porque a tecnologia avançou e substituiu boa parte dos trabalhadores nas linhas de montagem. Segundo, as fábricas saíram dos Estados Unidos em busca da mão obra mais barata, que foi encontrada no México, Canadá, China, Vietnã e outros países da Ásia. O custo da mão de obra americana é um dos mais altos no mundo. A grande novidade enfrentada pelo tarifaço no segundo governo Trump é que os países atingidos se organizaram e retaliaram. Entre eles, os 27 membros da União Europeia (UE) e a China, o maior parceiro econômico dos americanos. Como se diz no linguajar popular, os chineses foram para briga com Trump.
O tarifaço do Trump está fazendo água. Mas mesmo naufragando ainda está muito longe de acabar a confusão que criou ao redor do mundo. Estudiosos dos mercados admitem que o tarifaço espalhou a desconfiança nos negócios em vários países. Geralmente, a desconfiança eleva a inflação. O recrudescimento da inflação vai influenciar as eleições que vão acontecer neste ano em 14 países da América Latina. Tenho pregado que a imprensa precisa olhar com mais cuidado para a influência do tarifaço em vários segmentos da população. Por exemplo, o que está sendo comentado sobre a guerra de tarifas pelos corredores do Pentágono, do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, em Washington (DC), e o do Ministério da Defesa Nacional da China, em Pequim? Os dois países são potências militares e econômicas. Muito embora o perigo de um conflito armado tenha terminado com o fim da Guerra Fria (1947 a 1991), é bom seguir o manual do bom jornalismo e ficar de olho nas conversas que estão circulando entre os altos escalões militares americanos e chineses.
Para arrematar a nossa conversa. Vou lembrar duas importantes promessas feitas por Trump que ainda não foram cumpridas. A primeira de que ia acabar em uma semana com a guerra na Faixa de Gaza entre Israel e o Hamas, movimento terrorista que usa a população palestina como escudo. No fim de semana, Israel destruiu o último hospital que estava operando em Gaza. A outra promessa é que acabaria com a guerra entre Rússia e Ucrânia com um telefonema. No Domingo de Ramos (13), importante data religiosa no calendário dos ucranianos, os russos dispararam vários mísseis e mataram 32 civis na Ucrânia. A bem da verdade digo que Trump tentou. Mas falhou. Como no caso do tarifaço, que caminha a passos largos rumo ao fracasso. Mas não antes de espalhar confusão pelo mundo. Fato é o seguinte. O espaço que conseguiu nos jornais com as questões de Gaza, Ucrânia e o tarifaço geraram um capital político importante para o presidente americano. A imprensa está mostrando que Trump está mais para um bravateiro do que para um negociador inflexível e cruel, como quer fazer parecer.