Nós jornalistas temos a mania de simplificar as coisas. E às vezes cometemos exageros que podem comprometer a exatidão das nossas matérias. Seguindo essa linha de pensamento estou sugerindo que examinemos um detalhe na cobertura do caso dos “pastores evangelhos do MEC”. No meio das matérias, eles estão sendo chamados de lobistas. Não são lobistas. São vigaristas. Vamos conversar sobre a diferença entre ser lobista e vigarista. Aos fatos, como diziam os editores na hora de baixar o jornal nos tempos das máquinas de escrever.
No mês de março passado, o jornal Estadão denunciou que os pastores da Assembleia de Deus Arilton Moura e Gilmar Santos operavam no gabinete do então ministro da Educação, Milton Ribeiro, 64 anos, extorquindo prefeitos para dar acesso a dinheiro do MEC – há matérias sobre o assunto na internet. O ministro Ribeiro pediu as contas e deixou o ministério, os pastores estão sendo investigados e o caso tem potencial para atrapalhar a campanha de reeleição do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Qual é a diferença entre a ação dos pastores e a de um lobista? Como a investigação do caso revela, os pastores agiam no Ministério da Educação em nome do presidente Bolsonaro, com autorização do ministro da época. Eles se apresentavam para os prefeitos como sendo do governo. E pediam dinheiro para encaminhar os pleitos do município dentro do MEC. A ação do lobista é diferente. Ele é um influenciador contratado por um grupo social ou econômico para convencer parlamentares ou ministros da legitimidade da sua demanda. A profissão de lobista não é legalizada no Brasil. Mas eles existem e trabalham representando os interesses de grupos setoriais. O período mais intenso deles na história do país foi durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1987, que elaborou e promulgou a Constituição de 1988. Durante os 20 meses em que durou o trabalho dos 559 parlamentares (deputados e senadores) diversos setores da sociedade brasileira contrataram lobistas para negociar os seus interesses – há matérias na internet sobre o assunto.
É pela atuação deles em episódios como a Constituinte que os favoráveis à legalização da profissão de lobista defendem a ideia de que nos regimes democráticos a figura desse profissional é essencial para encaminhar as demandas dos grupos sociais. Faz parte do jogo. A profissão é legalizada nos Estados Unidos e na União Europeia. Nesses países existe uma legislação específica sobre o exercício da profissão. Um dos efeitos colaterais da falta de legalização da atividade no Brasil é que na cobertura de grandes escândalos de corrupção nas últimas três décadas a imprensa se habitou a usar a palavra lobista como sinônimo de corrupção, como nos casos da Operação Zelotes (2015, anulação de multas fiscais no valor de R$ 19 milhões), Banestado (1996, uso das contas CC5 para transferência para o exterior de um montante de R$ 30 bilhões) e Lava Jato (2014, vários crimes cometidos contra os cofres públicos que somaram R$ 48 bilhões). No caso dos “pastores do MEC” estamos seguindo o mesmo roteiro. Lembro os meus colegas o seguinte. Ao chamá-los de lobistas facilitamos as coisas para nós. Por quê? Simples. Se os chamarmos de vigaristas vamos ter como dizer que são “supostos vigaristas”, porque ainda não foram julgados pela Justiça. Ao chamá-los de lobista fica implícito que os chamamos de vigaristas. E não precisamos usar a palavra “supostos”, o que enfraquece a notícia.
Vou deixar claro uma coisa. Regulamentar a profissão de lobista não significa que eles sempre andarão na linha. Nada disso. Significa que temos um profissional trabalhando de acordo com as regras, e se ele pisar na bola responderá perante a Justiça. Eu tenho 71 anos e umas quatro décadas fazendo jornalismo investigativo. No dia a dia da profissão aprendi que quando precisamos desenrolar uma situação é bom ter lá no meio da confusão uma pessoa que possa nos explicar quem é quem no rolo. Nos dias atuais, quando usamos lobista como sinônimo de vigarista dificultamos o nosso trabalho de apuração. Por quê? Uma coisa é um funcionário de carreira falar com um lobista. Outra coisa é conversar com um vigarista. Lembro mais uma coisa aos colegas. Essa confusão entre lobistas e vigaristas beneficia as milícias digitais, que atacam o jornalismo profissional para poderem postar nas redes as suas versões fantasiosas da realidade. Para esses milicianos, quanto mais confusa a situação, melhor para eles montarem a sua versão dos fatos. Tenho dito nas minhas conversas com jovens repórteres das redações e estudantes de jornalismo que a parte mais difícil da nossa profissão é a apuração dos fatos. Mesmo em situação fáceis, como é o caso das “matérias buraco de rua”, se não fizermos a apuração correta acabamos fazendo uma baita besteira. Portanto, devemos apostar em facilitar o nosso trabalho de apuração identificando quem é quem no rolo. Daí a necessidade de regulamentar a profissão de lobista.