O repórter que faz a cobertura do dia a dia nas redações vive uma busca permanente por uma palavra que resuma toda uma situação longa e complexa para tornar a sua notícia simples e exata para o leitor. Nunca foi uma tarefa fácil. Muito menos nos dias atuais, quando as novas tecnologias exigem de nós que a informação seja transmitida em duas linhas de texto. Exagero meu, é claro. São, no máximo, quatro linhas. Há colegas que já nasceram com o dom de resumir os acontecimentos complexos em uma ou duas palavras. Eu não nasci com esse dom. Precisei ralar para aprender. Escrevi essa historinha para entrar devagar e com cuidado na conversa com os colegas e os leitores sobre o que vamos testemunhar na terça-feira, Dia da Independência do Brasil. Vamos enfileirar os fatos
O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), vai tentar “passar o rodo”. No Dia da Independência, os seus seguidores programaram grandes manifestações populares nas cidades brasileiras nas quais exigirão mudanças nas regras da disputa eleitoral em 2022, como a volta do voto em papel, e a cassação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Tática semelhante já foi tentada duas vezes. Em 1961, sete meses depois de tomar posse, o presidente Jânio Quadros (44 anos na época) renunciou a seu mandato e escreveu uma carta explicando os seus motivos aos brasileiros. O texto na íntegra está disponível na internet. Aqui, um trecho: “Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive no exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim”. A investigação dos historiadores sobre o episódio mostrou a verdade. Jânio apostou que o povo se mobilizaria e o traria de volta ao cargo com o poder fechar o Congresso. O povo não trouxe Jânio de volta. E a imprensa assim resumiu a renúncia: “As forças ocultas de Jânio”. A renúncia criou a oportunidade para as Forças Armadas articularem o golpe militar que aconteceu em 1964 e durou até 1985. Três décadas e um ano se passaram. Em 1992, o presidente Fernando Collor de Mello (43 anos na época) convocou o povo para ir às ruas vestindo verde e amarelo com objetivo de desencorajar os parlamentares do Congresso que articulavam uma CPI para investigar a corrupção no governo. O apelo ao patriotismo feito por Collor não funcionou. A maioria da população que foi para a rua vestia preto. Ele sofreu uma ação de impeachment e o seu vice, Itamar Franco, assumiu e fez um bom governo, conseguindo acabar com a hiperinflação.
Há textos circulando nas redes sociais em que bolsonaristas tentam juntar as “forças ocultas” de Jânio com o “verde-amarelo” de Collor para mobilizar a população a ir às ruas para apoiá-los no Dia da Independência. Se não deu certo para Jânio e Collor, por que daria para Bolsonaro? O que vou escrever não é opinião. São fatos que documentamos em nossas reportagens. Independentemente do número de pessoas que os bolsonaristas conseguirem colocar nas ruas e dos rolos que os manifestantes armarem, como tentativas de invasão a prédios públicos, a exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos no Capitólio (Congresso) – matérias na internet –, o negacionismo de Bolsonaro em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid-19 é responsável por uma grande parte dos 580 mil brasileiros mortos pelo vírus e de cenas que jamais serão esquecidas pela população, como pessoas morrendo asfixiadas por falta de oxigênio hospitalar em Manaus (AM) e no interior do Pará. Como se estivessem assistindo a uma novela de sucesso na TV, semanalmente centenas de brasileiros se reúnem para acompanhar as sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid, que vem mostrando a responsabilidade do governo com as mortes. Pelo menos 300 mil pessoas poderiam ter uma chance de sobreviver se Bolsonaro tivesse feito a coisa certa. A CPI está mostrando que a política do governo em relação à pandemia é genocida. E ambientalistas, consumidores dos produtos brasileiros no exterior e governos como o dos Estados Unidos afirmam que a política ambiental de Bolsonaro é genocida em relação à Floresta Amazônica e aos povos indígenas que lá vivem.
O destino de Jânio e Collor despertou o interesse dos vizinhos do Brasil, no máximo dos Estados Unidos. O que vai acontecer nas ruas do Brasil no Dia da Independência será observado e analisado por estudiosos, investidores, consumidores e cientistas ao redor do mundo porque envolve a pandemia da Covid-19 e a Floresta Amazônica. Não é por outro motivo que os grandes empresários nacionais, incluindo o agronegócio, indústrias e bancos estão atentos aos acontecimentos. Pelo que escrevemos, o destino do governo Bolsonaro foi traçado no momento que optou pelo negacionismo em relação à pandemia e à destruição da Floresta Amazônica. No futuro, quando alguém for escrever a história desse período do Brasil, vai se sentir tentado a resumir o governo do presidente Bolsonaro em uma palavra: “genocida”. Duvidam? Em nenhum outro período da história do Brasil um vírus matou 580 mil pessoas e tantos hectares da Mata Amazônica foram destruídos pelo fogo e o garimpo ilegal.
Excelente artigo. Resume muito bem o que se espera do dia 7 de setembro. Os grandes agropecuaristas comandando um triste movimento que tem todos os ingredientes para acabar mal. E, como foi muito bem colocado pelo pastor Jardel Fernandes, em seu canal do YouTube, os pastores deveriam ficar em casa orando em vez de incitar suas congregações a participarem de atos que promovem o ódio e a violência entre irmãos.
Obrigado, pela leitura. A observação do pastor é muito sábias.