Imprensa precisa explicar a história dos terroristas contada pelo governador do Rio

Cocaína e as armas que abastecem o Rio vêm da fronteira com o Paraguai Foto: Reprodução

Subiu um andar na escala da maldade. Creio ser esta a melhor descrição para o tiroteio que aconteceu na quinta-feira (24) entre traficantes do Complexo de Israel, na zona norte do Rio de Janeiro, e uma tropa da Polícia Militar fluminense. Por ordem do chefe do tráfico Álvaro Malaquias Santa Rosa, conhecido como Peixão, Alvinho ou Aarão, o seu bando apontou as armas e abriu fogo contra dezenas de veículos e pessoas que transitavam na Avenida Brasil, a mais movimentada do Rio. Foi um deus nos acuda. Várias pessoas foram feridas. E três morreram com tiros na cabeça: Paulo Roberto de Souza, 60 anos, motorista de aplicativo, Geneilson Eustáquio Ribeiro, 49, motorista de caminhão da Secretaria Municipal da Educação, e Renato Oliveira, 48, funcionário de um frigorífico. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), 45 anos, chamou os bandidos de terroristas por terem atirado contra a população com o objetivo de forçar os policiais militares a recuar. A estratégia usada por Peixão exige que o governador, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), 54 anos, sentem, conversem e se organizem para colocar um ponto final nessa história.

Até acontecer esse episódio, a população frequentemente já era vítima de bala perdida. Traficantes e a Polícia Militar trocam tiros e projéteis voam para todos os lados. Segundo o Instituto Fogo Cruzado, 52 pessoas (37 feridas e 15 mortas) foram atingidas por balas perdidas entre janeiro e 18 de junho de 2024 na Região Metropolitana do Rio, que é formada por 17 municípios. Ao usar a estratégia de atirar contra a população, Peixão deixou de ser um problema da polícia do Rio de Janeiro. Ele agora é um problema nacional. Lidera uma organização criminosa chamada Terceiro Comando Puro (TCP), que é um racha do Terceiro Comando (TC), um grupo muito ativo no Rio nos anos 80 e 90. Atualmente, o TCP está na mesma ordem de grandeza do Comando Vermelho (CV), importante e perigosa organização criminosa ligada ao traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira Mar, que cumpre pena em um presídio de segurança máxima. O currículo de Peixão é volumoso. Tem 35 anotações (investigação de crimes), é citado em 26 processos no Tribunal de Justiça do Rio e suspeito de mandar matar e desaparecer com os corpos de seis jovens. Há muitos anos frequenta as páginas policiais dos jornais. Mas recentemente migrou para as manchetes de capa, quando se tornou evangélico e ativista da intolerância religiosa no Complexo de Israel, perseguindo religiões afrodescendentes, como a umbanda, e mandando fechar igrejas e surrar freiras e padres católicos. Além de cometer outros desatinos contra religiosos. O problema de Peixão não é ser evangélico. Mas usar a religião como pretexto para praticar crimes.

No final da década de 80, quando andava pelo Rio de Janeiro fazendo reportagens investigativas sobre os banqueiros do jogo do bicho, tive o auxílio de uma colega repórter para ter acesso a uma importante fonte ligada à Secretaria da Segurança Pública, com quem tive uma longa conversa em off (aquelas que não se cita a fonte). Foi realmente um longo papo. Lá pelo meio, ouvi a seguinte frase: “Os peixes grandes só ficam fora da cadeia se têm uma rede de proteção”. Perguntei o que definia como “rede de proteção”. A resposta: informantes posicionados em órgãos governamentais importantes, que mantêm o “protegido” a par da movimentação das autoridades ao redor dos seus processos. Nos dias atuais, há uma conversa circulando pelas redações a respeito de quem protege Peixão. Até as pedras dos calçamentos do Rio sabem que para prendê-lo o primeiro passo é descobrir e eliminar a rede de proteção que o mantém fora da cadeia. Ou seja, fazer um “trabalho de inteligência”. Na semana passada, foi manchete nos jornais que, por conta dos acontecimentos na Avenida Brasil, existe a possibilidade do governo federal decretar, em novembro, a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Rio de Janeiro, porque nos dias 18 e 19 acontecerá na cidade o encontro de cúpula dos 20 países mais ricos do mundo, o G20. Isso pode ser água fria na fervura da onda de violência. Mas o efeito não vai durar muito. Nas últimas décadas, sempre que os rolos com a segurança pública no Rio ultrapassaram a fronteira do “admitido”, colocou-se as Forças Armadas, equipadas com tanques, armamento pesado e muitos soldados, a patrulhar a cidade. Isso nunca funcionou, e não será desta vez que dará certo. O começo da solução é cortar as duas principais linhas de abastecimento da violência no Rio, que são as drogas e as armas.

Todo mundo sabe que estas duas linhas de abastecimento começam nas cidades da fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Estas cidades funcionam como entreposto de armazenamento da cocaína vinda da Colômbia, do Peru e da Bolívia. E de armas e munições procedentes dos Estados Unidos, da Argentina e de países da Europa. Os serviços de inteligência dos batalhões das Forças Armadas que operam na fronteira, a Polícia Federal (PF) e as polícias militares sabem de toda a história. Digo isso porque conheço agentes que trabalham na área. Os agentes melhor informados estão em Foz do Iguaçu, cidade do oeste do Paraná, ligada pela Ponte da Amizade a Ciudad del Este, no Paraguai. Foi lá que, no final da década de 90, conheci um capitão do serviço de inteligência do Exército, uma pessoa altamente qualificada e informada sobre quem era quem nas organizações criminosas da região. Acabamos ficando amigos. Ele me ajudou muito quando escrevi o livro País Bandido – Crime tipo exportação. Aprendi uma lição lidando com jornalismo investigativo. A informação de um agente que trabalha em campo é valiosa porque é exata e, portanto, dá uma noção muito próxima do está acontecendo. Resumindo a nossa conversa. Existe informação sobre como sufocar o tráfico de drogas e armas no Rio. Falta alguém que coordene essa operação. No mundo dos serviços de inteligência não é tolerada a improvisação, porque ela é perigosa.

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