
Nos segundos seguintes após assumir o seu segundo mandato de presidente dos Estados Unidos, em 20 de janeiro, Donald Trump (republicano), 78 anos, lembrou ao mundo as suas intenções de anexar ao território americano o Canadá, o Canal do Panamá e a Groenlândia. A maior parte dos jornalistas não deu importância para as ameaças e as catalogou como mais uma das tantas bravatas proferidas por Trump desde o seu primeiro mandato presidencial (2017 a 2021). Chegou a hora da imprensa levar essas ameaças a sério e começar a questionar como o presidente americano pretende cravar a bandeira dos Estados Unidos nestes países. O modo tradicional seria enviar tropas e fazer uma ocupação militar. Se for essa a opção, o governo Trump começou mal a sua primeira operação militar. O editor-chefe da revista The Atlantic, Jeffrey Golberg, 59 anos, foi incluído por engano em um grupo do aplicativo Signal em que autoridades de alto escalão do governo discutiam a coordenação de uma série de ataques, realizados na noite de quarta-feira (26), aos rebeldes houthis, no Iêmen.
Só para se ter uma ideia do calibre do poder das autoridades que tiveram suas conversas compartilhadas com o editor da The Atlantic: J. D. Vance, 40 anos (vice-presidente americano), Michael Waltz, 51 anos (conselheiro de segurança nacional), Pete Hegseth, 44 anos (secretário de Defesa), Marco Rubio, 53 anos (secretário de Estado), Tulsi Gabbard, 43 anos (diretora de Inteligência Nacional), John Ratcliffe, 59 anos (diretor da CIA), Susie Wiles, 67 anos (chefe de gabinete da Casa Branca), Steve Witkoff, 68 anos (enviado especial ao Oriente Médio), e Stephen Miller, 39 anos (conselheiro de segurança interna). As mensagens trocadas no grupo estão sendo publicadas pelo jornalista Goldberg. Elas esmiúçam os tipos de armas, horários e locais dos ataques, os modelos de aviões e drones usados e outros detalhes. Incluindo um comentário do vice-presidente Vance esculachando os membros da Organização dos Países do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a aliança político-militar criada pela Europa Ocidental e pelos Estados Unidos para enfrentar a União Soviética e os seus aliados durante a Guerra Fria. Um dos motivos para o vazamento das conversas foi porque elas não aconteceram por meio de um aplicativo do governo. Mas de uma empresa particular.
Obviamente, os democratas aproveitaram a situação e partiram para cima do governo. Na sexta-feira (28/03), a Folha de S. Paulo reproduziu um artigo publicado pelo The New York Times intitulado “Até onde vai a burrice do governo Trump?”, assinado por Hillary Clinton, 77 anos, ex-primeira-dama e ex-secretária de Estado no governo do democrata Barack Obama (2009 a 2017), 63 anos. Hillary disputou as eleições presidenciais em 2016, quando foi derrotada por Trump. Sintetizando o longo e detalhado artigo, ela diz que o presidente e seus secretários estão destruindo a economia, a democracia e as Força Armadas americanas. E o resultado é que estão deixando o país vulnerável. Trump não se posicionou sobre a história. Mas inundou os jornais com a insistência de que é necessário anexar a Groenlândia aos Estados Unidos por uma questão de segurança nacional. Na mesma sexta-feira (28) que o The New York Times publicava o artigo de Hillary, o vice-presidente Vance e sua família desembarcaram em uma base militar americana na Groenlândia. Inicialmente estava previsto que os Vance circulassem pelas cidades da ilha. Mas tiveram que ficar restritos à base devido ao clima hostil contra os americanos entre a população local, que soma pouco menos de 60 mil habitantes. Entrevistados por repórteres das redes de TV dos Estados Unidos, várias pessoas disseram que “a Groenlândia não está à venda”. Maior ilha do mundo, a Groenlândia é uma região autônoma da Dinamarca, com governo e parlamento próprios – há muitas matérias sobre o assunto na internet. No Canadá, também há um movimento organizado contra o governo dos Estados Unidos. Lembro o seguinte. A imprensa é refém de Trump, porque não tem como não noticiar o que ele faz e diz. Por mais idiota que seja o assunto. É o presidente legalmente eleito dos Estados Unidos. Não é preciso uma pesquisa muito aprofundada para encontrar nos noticiários uma avalanche de informações despejada por Trump.
Portanto, se ele diz que irá anexar o Canadá, temos que perguntar como o fará. Aprendemos com o primeiro governo Trump, e também com o seu fiel seguidor, o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL), 70 anos (2019 a 2022), que encher os ouvidos dos jornalistas com asneiras não é obra do acaso. Mas uma estratégia pensada. No caso dos Estados Unidos, para Trump conseguir colocar em prática o seu plano de governo, que tem como objetivo tirar a economia americana da globalização, será preciso muito mais que o tempo de um mandato. De onde ele vai tirar este tempo? Pela Constituição americana, Trump não poderá se candidatar a um terceiro período na Casa Branca. Tentará eleger uma marionete? Ou tem planos de mudar a Constituição? De uma vez por todas, nós jornalistas precisamos nos convencer de que a maneira de fazer política definitivamente mudou. Nos dias atuais, os candidatos não estão nem aí para investir no seu histórico. Contratam um profissional de comunicação e montam um currículo fictício, recheado de mentiras, e vão à luta em busca de um mandato. Com um pouco de sorte e a ajuda involuntária de jornalistas desavisados, têm boa chance de se eleger.