Nesses quase três anos de governo foram raros os dias que o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), não tenha dito algo ou se envolvido em uma situação embaraçosa que provocaram uma baita correria nas redações dos jornais, impacto nos mercados financeiros e um susto no cidadão comum. Claro, outros que ocuparam o cargo também, uma vez ou outra, falavam coisas ou se envolviam em situações que surpreendiam a todos, como o então presidente Itamar Franco, que no Carnaval do Rio de Janeiro, em 1994, foi fotografado ao lado da modelo Lilian Ramos, que estava sem calcinhas. Ou a do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), que em 2008 afirmou que a crise no mercado de capitais que atingiu os Estados Unidos, quando chegasse ao Brasil, seria uma “marolinha”. É longa a lista dos presidentes que se envolveram em situações embaraçosas ou falaram bobagem. A diferença é que com Bolsonaro essas situações acontecem praticamente todos os dias. Como ele consegue?
Entre os jornalistas existem muitas linhas de pensamento sobre o modo do presidente Bolsonaro governar o país. Duas delas têm mais destaque. Uma defende que essas declarações e situações embaraçosas criadas pelo presidente hoje ganham grande destaque em razão do cargo que ele ocupa. A outra é que existe um núcleo pensante no governo que o orienta a causar confusão para afastar a atenção da imprensa, e por consequência do público, dos problemas que interessam. Essa linha de pensamento é ancorada na maneira como funcionava o governo dos militares que deram o golpe de Estado e governaram o país de 1964 a 1985. Na época existia uma elite de generais que pensavam o regime. Um deles era Golbery do Couto e Silva, especializado em doutrina da segurança nacional. Um homem inteligente e articulado, faleceu em 1987. No governo Bolsonaro não há um estrategista do calibre de Golbery. E se houvesse alguém desse calibre não estaria gravitando na órbita do atual governo. Vamos analisar o seguinte. No início do governo, generais do Exército e outros oficiais de altos escalões da Força Aérea e da Marinha gravitaram ao redor de Bolsonaro com a intenção de ditar a linha política do governo. Não conseguiram e só ficaram aqueles que se curvaram às ordens do presidente. Depois dos militares falharem foi a vez dos grandes empresários que apoiaram a eleição tentarem orientá-lo no mundo dos negócios usando o ministro da Economia, Paulo Guedes.Também falharam e Guedes atualmente se equilibra para se manter no emprego. Depois foi a vez dos deputados federais, senadores e governadores que se elegeram graças à montanha de quase 60 milhões de votos feitos pelo presidente. Também falharam e só ficaram ao redor de Bolsonaro os que concordam com ele.
Ninguém que não concorde com o presidente permanece ao redor dele. Muito menos coloca ideias na sua cabeça. Ele não ouve nem os seus três filhos parlamentares, Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo. Ele usa os filhos para fazerem o serviço sujo para ele. E ao se aliar aos parlamentares do Centrão, na verdade ele voltou para casa, porque durante os seus 30 anos de vida parlamentar sempre foi dessa turma. Ele ganhou notoriedade na opinião pública dizendo asneiras, como defender os torturadores dos presos políticos de 1964, e que nós jornalistas publicamos por considerá-lo exótico. Bolsonaro age na Presidência da República como agia quando era deputado federal pelo Rio de Janeiro. As bobagens que diz hoje, como a história de tentar um golpe de Estado no dia 7 de setembro, ele fala desde quando era deputado. Agora dá rolo porque é presidente da República. E assim que as coisas engrossam para o lado dele, ele recua. Não é por outro motivo que aliados que o apoiaram no 7 de setembro estão reclamando, como o ex-deputado do PTB Roberto Jefferson. Jefferson está cumprindo prisão preventiva por ter se envolvido em atentados contra a democracia. Além dele há outros, como o líder dos caminhoneiros catarinense Marco Antonio Pereira Gomes, o Zé Trovão, que teve a prisão preventiva decretada por incitar atos antidemocráticos. Ele esteve foragido no México, voltou clandestino para o Brasil e se entregou para a Polícia Federal (PF) na terça-feira (26/10).
Para fechar a nossa conversa. Não existe uma figura nas sombras do governo federal que coloque as ideias na cabeça de Bolsonaro. Elas são as mesmas dos tempos de deputado federal. Só que agora, quando são ditas, causam um tumulto de tal ordem na economia que trazem prejuízos de bilhões de reais e situações embaraçosas nas relações internacionais do Brasil. Em conversa que tive com um colega argentino, eu defini Bolsonaro como um dinossauro andando pela Avenida Paulista. A imprensa precisa explicar melhor aos seus leitores de onde vêm as ideias de Bolsonaro. Por quê? Simples. O Brasil é um país que tem uma economia globalizada. Isso significa que não há espaço para uma autoridade falar bobagens ou se envolver em situações embaraçosas. Esse tipo de coisa mexe com os mercados financeiros, o que significa o desaparecimento de muitos empregos. Portanto, quando Bolsonaro faz uma dessas suas piadas de mau gosto que causa reboliço nos mercados de capitais, nós jornalistas precisamos explicar aos leitores quantos empregos custaram ao país a bobagem dita pelo presidente.