Imprensa tem que ficar atenta à influência do caso das emendas na eleição do Congresso

Pela primeira vez os parlamentares foram responsabilizados pela crise do dólar Foto: Reprodução

Logo que entrei na redação do jornal, em 1979, fui lembrado pelos colegas que o repórter é como o atacante de um time de futebol. Corre o olho pelo gramado para ver como o jogo está rolando e corre para uma posição estratégica para receber a bola e chutar a gol. Se vai fazer o gol é uma outra história. No nosso caso, trata-se de não deixar passar a oportunidade de fazer uma matéria relevante para o leitor. Lembro aos jovens colegas que a faculdade forma o jornalista. A redação o lapida e o transforma em repórter. Comecei a nossa conversa com esse papinho por conta do rolo que aconteceu no mercado financeiro com a alta do dólar, que chegou a R$ 6,30, e deu à imprensa uma oportunidade, que a maioria dos jornais e dos noticiários de rádio, TV e outras plataformas aproveitou, de explicar para o leitor como as coisas estão funcionando atualmente no país.

Para acalmar o mercado do dólar era fundamental a votação da PEC do corte de gastos do governo federal, que faz parte do novo arcabouço fiscal. Para votar, os senadores e deputados exigiram a liberação de emendas parlamentares pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos. A PEC foi aprovada. Essa exigência de liberação do recursos das emendas vai influenciar o perfil do próximo Congresso? Em 2026, haverá eleições para presidente da República, governadores, senadores e deputados. É sobre isso que vamos conversar. Antes, uma explicação que julgo necessária sobre a disparada do dólar. Os economistas da prestigiada Fundação Getúlio Vargas (FGV) calcularam que o real brasileiro já acumula uma significativa desvalorização de 21,5% perante o dólar em 2024. “Não existe uma bala de prata para resolver esta situação”, resumiu a situação, durante uma entrevista, Gabriel Galípolo, que a partir de 1º de janeiro ocupará a presidência do Banco Central (BC), substituindo o economista Roberto Campos Netto. Há um farto e diversificado material sobre o assunto à disposição na internet.

Voltando a nossa conversa. Para responder à pergunta sobre o perfil do próximo Congresso precisamos começar esclarecendo quem manda no Brasil? É o presidente da República ou o Congresso? Até o governo da presidente Dilma Rousseff (PT), 77 anos, de 2011 a 2016, quem se sentava na cadeira da Presidência da República tinha o poder na mão. Claro, dependia do Congresso para aprovar seus projetos. Mas atualmente o poder de barganha dos parlamentares perante o presidente da República aumentou muito. Essa mudança começou no governo Dilma. Na época, o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PRD), 66 anos, se desentendeu com o PT e articulou com sucesso o impeachment da presidente. Com o afastamento de Dilma, o vice, Michel Temer (MDB), 84 anos, assumiu a Presidência de 2016 a 2018. O impeachment de Dilma iniciou um processo interessante que podemos assim resumir: o presidente da República briga com o Senado e a Câmara dos Deputados e corre o risco real de perder o cargo.

Em consequência desse fato, os ocupantes da cadeira de presidente da República trataram de manter boas relações com o Congresso. O presidente Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, que governou o país de 2019 a 2022, para ficar longe do risco de sofrer um impeachment colocou em prática o “orçamento secreto”, como ficou conhecida a distribuição de verbas públicas para emendas dos parlamentares sem identificar o destino. Ao assumir a Presidência, em 2023, Lula entendeu a nova situação e não comprou briga com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), 48 anos, e da Câmara, Arthur Lira (PP), 55 anos. Muito pelo contrário. Fez alianças políticas importantes que viabilizaram o seu governo. Em 2024, houve o empenho de R$ 38 bilhões para emendas parlamentares. Toda essa história das emendas está sendo acompanhada com grande interesse diariamente pela imprensa e há um imenso material disponível na internet. Aqui é o seguinte. Pela primeira vez na história política do Brasil a imprensa atirou parte da responsabilidade do estouro do dólar no colo do Senado e da Câmara dos Deputados. Os parlamentares exigiram a liberação das emendas para votar projetos do governo – há matérias disponíveis na internet. Trocando em miúdos, como se dizia nos tempos das máquinas de escrever nas redações para resumir uma situação com o objetivo de facilitar o entendimento, temos que bater na tecla e renovar o alerta aos leitores, sempre que tivermos oportunidade, de que jamais os presidentes do Senado e da Câmara tiveram tanto poder nas mãos como no momento atual. E que até agora só desfrutaram dos benefícios desta nova situação. Depois do rolo com o dólar, eles vão começar também a sofrer os desgastes de quem tem poder quando as coisas saem erradas. Esse desgaste irá mudar o perfil do próximo Congresso? Não temos como responder a esta pergunta. A única coisa que podemos afirmar com uma boa margem de segurança é que os próximos presidentes do Senado e da Câmara não irão recuar da atual fatia de poder adquirida nas decisões do governo. Portanto, precisamos discutir com os leitores a questão dos parlamentares que eles irão eleger.

Lembro que logo depois de 1985, ano em que os militares que deram o golpe de estado em 1964 deixaram o governo, os candidatos tinham vinculação com o cotidiano dos eleitores por serem pessoas de destaque na comunidade. Nos dias atuais, perdeu-se, em grande parte, essa vinculação. Há um caminhão de explicações para que isso tenha acontecido, uma delas são as redes sociais. Para arrematar a nossa conversa. O avanço dos deputados federais e senadores sobre o poder de decisão, que antes era quase que exclusividade do presidente da República, não vai recuar. Pode mudar e se aperfeiçoar. Mas os parlamentares “não vão largar o osso”, uma velha expressão que significa não desistir. A imprensa precisa começar a olhar para as eleições para a presidência do Senado e da Câmara dos Deputados com um olhar mais aprofundado sobre o perfil dos candidatos. Afinal, a maneira como eles vão conduzir o seu mandato vai influenciar no cotidiano da população. Como dizem os colegas que fazem cobertura de futebol: não podemos deixar uma “bola viva” picando na área.

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