“Esse aí é do tipo que entra em um paiol de pólvora e acende um fósforo para encontrar o interruptor da luz.” É assim que os sargentos instrutores dos recrutas que prestam o serviço militar obrigatório nas Forças Armadas se referem ao soldado que é imprudente no manuseio de material explosivo. Essa imagem é muito semelhante ao que fez na visita a Israel o filho do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL – RJ). No caso, o imprudente é o filho do presidente, o senador Flávio (PSL – RJ), que postou nas redes sociais uma ofensa ao Hamas: “Quero que vocês se EXPLODAM !!!”. A postagem foi feita por conta do protesto dos árabes, em especial dos palestinos, com a intenção do governo brasileiro de seguir o exemplo dos Estados Unidos e instalar a sua embaixada em Jerusalém, cidade que é disputada pelos árabes e judeus. Lideranças do agronegócio brasileiro estão lembrando ao governo que os árabes são grandes compradores de carnes produzidas no Brasil e poderão retalhar, procurando outro lugar no mundo para fazer as suas compras – há dezenas de matérias na internet sobre o caso.
O paiol de pólvora descrito pelos sargentos se ajusta à região, o Oriente Médio, que foi visitada pelo presidente da República. Israel está envolvido em uma disputa de terras com os seus vizinhos palestinos que começou no final da Segunda Guerra, em 1945. Essa disputa é parte de um conflito maior envolvendo Israel e os países árabes, como Arábia Saudita e Irã, que começou nos tempos bíblicos. O fósforo é a ofensa feita pelo senador ao Hamas, que é palestino. Movimento de Resistência Islâmica, como se chama e nasceu em 1987. E, desde então, tem se envolvido em lutas armadas e políticas contra Israel. Hoje o movimento opera com dois braços: um social e outro armado. Os serviços de inteligência dos Estados Unidos e dos países da União Européia o consideram um movimento terrorista. O cerco ao Hamas se intensificou quando ele entrou na vida parlamentar da Palestina e com o atentado de 11 de Setembro de 2001 às Torres Gêmeas em Nova Iorque. O Hamas faz parte do mundo árabe, onde maioria da população é muçulmana e convive em dois extremos: países ricos irrigados pelos chamados petrodólares – dinheiro vindo da venda do petróleo – e estados dilacerados por guerras civis, como é o caso da Síria, onde movimentos radicais, tipo Al – Qaeda e o Estado Islâmico, lutam e são apontados como responsáveis por atentados terroristas em vários cantos do mundo.
Como a ofensa do senador vai ser interpretada pelos outros movimentos armados que operam nos países árabes e pelo mundo afora? Ninguém sabe. Mas o certo é que o filho do presidente da República falou demais. A história ensina que esse tipo de coisa pode ser perigosa. Nos anos 90, autoridades argentinas foram retaliadas com dois atentados terroristas em Buenos Aires por conta de compromissos não cumpridos que tinham sido assumidos com movimentos radicais árabes – há uma fartura de informações sobre o assunto na internet. Em 1992, houve um ataque terrorista contra a Embaixada de Israel, que resultou em 92 mortes e 300 feridos. Dois anos depois, em 1994, outro ataque contra a Associação Mutual Israelita, que deixou um salto de 29 mortos e 240 feridos. Como repórter, eu trabalhei nos dois casos. No final dos anos 90, serviços de inteligência dos Estados Unidos afirmaram que os que executaram os ataques em Buenos Aires tinham passado pela Tríplice Fronteira – Brasil, Foz do Iguaçu (PR), Paraguai, Ciudad del Este, e Argentina, Puerto Iguazú. Por conta da afirmação dos serviços de inteligência dos Estados Unidos sobre a existência de grupos terroristas na Tríplice Fronteira, em 2000, eu fiquei 10 meses trabalhando na região, procurando pistas sobre esses grupos.
O que encontrei na Tríplice Fronteira e publiquei já era do conhecimento do então Departamento de Inteligência da Polícia Federal: existiam na região grupos dos chamados “terroristas adormecidos”, que eram descritos como sendo pessoas com capacidade técnica de fazer um atentado, que haviam sido ligados a movimentos radicais no Oriente Médio e que estavam vivendo nas cidades da fronteira envolvidos com outros negócios. Logo depois dos atentados das Torres Gêmeas, os serviços de inteligência argentino, paraguaio, brasileiro e americano passaram um pente-fino na região, e o máximo que encontraram foram pessoas que enviavam dinheiro para os seus familiares no Oriente Médio. Alguém deve lembrar ao senador que não é prudente acender um fósforo dentro um paiol.