Rodrigo Janot, 62 anos, não foi o procurador-geral da República mais desqualificado da história do Brasil, como afirmou, na Rádio Gaúcha, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Janot reescreveu a história política do Brasil. O conteúdo das duas denúncias que ele fez contra o presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP), vai fazer parte dos livros didáticos dos estudantes brasileiros. Para os estudantes de jornalismo e repórteres novatos, as denúncias são leituras obrigatórias. E, para os comentaristas políticos, refletir sobre o que está escrito ali é fundamental para entender a história contemporânea do país.
Da primeira denúncia, Temer escapou, conseguindo manobrar os parlamentares da Câmara Federal, que votaram contra a licença para o STF processar o presidente. Se os deputados tivessem autorizado, o presidente seria substituído no cargo por 180 dias pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM – RJ). A segunda denúncia saiu na quinta-feira e está tramitando. Nessa denúncia, em um perfeito encadeamento de fatos, Janot mostra quem é quem entre os 12 suspeitos de formarem o “quadrilhão do PMDB”, que tem Temer como chefe. Aqui, eu quero falar com os meus colegas repórteres, especialmente os mais jovens. Os conteúdos de história dos livros usados pelos professores do primeiro e do segundo grau precisam ser revistos. Hoje, o Brasil tem duas histórias: a oficial e a que acontece de fato, como é o caso das denúncias contra Temer.
Olhando a história da Procuradoria-Geral da República (PGR), Janot é um dos mais ativos que ocuparam o cargo. Vamos fazer uma comparação com o ex-procurador-geral da República Geraldo Brindeiro (1995 a 2003). Ele entrou para a história do Brasil com a alcunha de “engavetador-geral da República”. Dos 626 inquéritos criminais recebidos pela Procuradoria-Geral da Repúlica (PGR), ele engavetou 242 e arquivou outros 217. Apenas 60 denúncias foram aceitas. Os inquéritos eram contra 194 deputados, 33 senadores e 11 ministros e quatro contra o presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB – SP). A história de Brindeiro pode ser encontrada na internet.
Nos meus 40 anos de repórter estradeiro, aprendi a respeitar as pessoas que não têm medo de errar. Janot é uma dessas pessoas. Vou lembrar o caso da delação premiada, na Operação Lava Jato, do empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, e de seus executivos. Janot concordou em dar benefícios para os delatores, que deixaram furiosas dezenas de pessoas, principalmente Gilmar Mendes. Entre os benefícios: isentou a todos dos crimes que haviam cometido. Permitiu que a família Batista se mudasse para os Estados Unidos. O STF aceitou o acordo entre Janot e os Batista. Joesley Batista pisou na bola. Escondeu provas de crimes praticados que deveriam ter sido entregues na delação. Janot pediu e conseguiu a prisão do empresário delator. Também encaminhou um pedido de revisão dos benefícios concedidos. E o mais importante: as provas contra mais de 100 políticos, incluindo Temer, entregues por Joesley Batista, seguem tendo valor jurídico
Nas últimas semanas, nas entrelinhas dos noticiários, Janot foi chamado de bêbado por seus inimigos. Tenho dois amigos pessoais que são do circulo de amizade dele. Todo mundo sabe que ele gosta de tomar vinho, eu também gosto. Mas a sugestão de que ele fosse um bêbado apareceu quando circulou uma foto de Janot conversando com o advogado Pierpaolo Bottini, que representa Joesley Batista, em um boteco de Brasília (DF). Em cima da mesa, há uma cerveja artesanal. O conteúdo da conversa pode ser encontrado na internet. Digo o seguinte: fiquei muito contente que o Janot frequente botecos. Tomara que a sua sucessora, Raquel Dodge (toma posse na segunda-feira), sente-se em uma mesa de boteco. Ali circulam história que não estão nos registros oficiais do Brasil. O importante é que Janot mereceu cada centavo do seu salário e que o trabalho que produziu vai reescrever a história política do Brasil. É uma questão de tempo para fazer parte dos livros escolares.