O primeiro, e talvez único, debate na televisão entre os candidatos a presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano), 78 anos, e Kamala Harris (democrata), 59, não definiu o preferido dos eleitores nas eleições de novembro. Mas consolidou a eficiência do discurso de Kamala em deter a tremenda destreza em comunicação de Trump, que tem massacrado os seus adversários políticos. Como aconteceu em 2016, na vitória dele na disputa pela presidência contra Hillary Clinton (democrata), 76 anos. E durante o seu governo, entre 20 de janeiro de 2017 e 20 de janeiro 2021. Em 6 de janeiro de 2021, Trump conseguiu convencer os seus seguidores a invadirem o Capitólio para evitar que o Congresso americano ratificasse a vitória do atual presidente, Joe Biden (democrata), 81 anos, que em novembro de 2020 o havia derrotado na sua tentativa de se reeleger. O saldo dessa tentativa foram cinco mortos, dezenas de feridos e centenas de presos e condenados. Kamala é a vice de Biden e o substituiu depois que ele teve uma pane mental durante um debate com Trump na CNN, em Atlanta, em 27 de junho. Durante semanas, as lideranças e os aliados do Partido Democrata pressionaram Biden a desistir da reeleição. Ele cedeu às pressões e na última semana de julho indicou a sua vice como candidata para disputar com Trump.
Não vou falar dos conteúdos do debate por entender que é assunto da imprensa diária. Vamos conversar sobre o desempenho dos candidatos ao passar as suas mensagens. Como repórter de conflitos, nas últimas quatro décadas já entrevistei muita gente. Disso, eu entendo. Vamos aos fatos. A grande dúvida que havia, e que foi exaustivamente debatida nas entrelinhas das reportagens, era se Kamala conseguiria sobreviver ao estilo de Trump de se comportar nos debates. Ele aprendeu a dominar a arte da comunicação fazendo programas de televisão. Em 2004, ele apresentou o programa O Aprendiz, na Rede NBC. Também fez várias pontas em séries de filmes. Toda essa habilidade em lidar com a comunicação foi turbinada pelo seu ex-assessor Steve Bannon, 70 anos, que seguiu o modelo de publicidade usado por Joseph Goebbels (1897-1945), o ministro da propaganda da Alemanha nazista comandada por Adolf Hitler nas décadas de 1930 e 1940, que provocou a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), um conflito que matou 70 milhões de pessoas. Durante o julgamento dos criminosos de guerra em Nuremberg, os chefes militares dos Aliados se interessaram em saber como Hitler havia conseguido convencer o cidadão comum alemão a apoiar a insanidade que foi o nazismo. Ali apareceu no trabalho de Goebbels.
Bannon montou uma fábrica de fake news que passou a fornecer conteúdos para os discursos de Trump. As mentiras, somada à habilidade de comunicação do ex-presidente, se tornaram uma ferramenta política muito poderosa contra os seus adversários. Quando ele assumiu a presidência dos Estados Unidos, em 2017, chutou as canelas dos repórteres afirmando que só se comunicaria através das redes sociais e que a imprensa tradicional estava com os seus dias contados. Atualmente, Bannon está cumprindo uma pena de quatro meses de prisão, que termina em novembro, por não cumprir uma intimação do Congresso para colaborar nas investigações do ataque ao Capitólio. Toda essa história foi contada por Kamala. Lembro que dias depois de ter sido nomeada candidata dos democratas, um repórter perguntou como ela se comportaria nos debates com Trump. Resumindo a resposta dela: “Fui procuradora de Justiça na Califórnia, ele é um condenado pela Justiça. Sei como lidar com este tipo”. Trump foi condenado pelo Tribunal de Nova York por fraude ao comprar o silêncio da ex-atriz pornô Stormy, com quem manteve um caso – matérias na internet. Assisti ao debate entre o ex-presidente e Kamala na noite de terça-feira (9), que aconteceu nos estúdios da ABC News, na Filadélfia. Sempre que Trump mentia, ele era desmentido pelos apresentadores do debate. Nestas ocasiões, a candidata democrata dava um “sorrisinho” e só faltava dizer para ele a frase clássica usada pelos roteiristas de Hollywood nos filmes policiais, durante o interrogatório dos criminosos: “Tudo que disser poderá ser usado contra você, quer um advogado?” Kamala também é hábil no uso da linguagem e sabe como e onde colocar as palavras durante o debate. Em agosto escrevi o post Troca de candidato dos democratas foi bem contada e colocou Trump na defensiva.
Neste processo de troca de candidato, os democratas mudaram a sua estratégia perante os eleitores, que pode ser assim resumida. Enquanto Trump prega o ódio, o medo e outros sentimentos menos nobres, Kamala fala em esperança e solução dos problemas que afligem a maioria da população, como o preço dos remédios. Temos publicado que o ex-presidente ainda não descobriu uma maneira de encurralar a candidata democrata, como tem feito com os seus adversários políticos. Um detalhe me chamou a atenção durante o debate. Sempre que os jornalistas faziam uma pergunta a Kamala, durante a resposta o ex-presidente fazia umas “caras estranhas”, com o objetivo de desviar a atenção da audiência. Tudo indica que a eleição será decidida no detalhe. Há duas bolas picando na área, um na dos republicanos e outra na dos democratas. Na dos republicanos há um movimento contrário ao avanço de Trump no partido, que se torna cada vez mais forte. Na dos democratas existe um forte movimento de jovens simpáticos aos palestinos, contrários à maneira como Biden vem apoiando Israel na guerra contra o Hamas. A imprensa tem dito que até novembro muita água irá passar debaixo da ponte das eleições americanas. A exemplo de outras democracias no mundo, incluindo a brasileira, serão os indecisos que vão definir quem será o próximo presidente dos Estados Unidos. É o jogo.